
Há vários anos, muito antes da "Maldita Cocaína" de La Féria, cruzei-me com a actriz Wanda Stuart na R. das Portas de St.º Antão. É daquelas pessoas que cativam o olhar, o cabelo era azul brilhante e o modelito estilo vanguarda. Devo ter sorrido à sua passagem, não para ela, não em sua direcção, mas devo ter sorrido para a frente.
Uma das razões porque me dá prazer passear no Chiado, ou no Rossio, é poder observar a multiplicidade de pessoas e seus estilos, é misturar-me (às vezes destoando), lavar as vistas (da vulgaridade?), na mais original das passerelles. O Chiado por exemplo é uma galeria humana em movimento, é arte viva em género, moda, tendências (e alguns plágios muito fraquinhos pelo meio também, também faz parte).
Ela (a Wanda Stuart) é daquelas pessoas que cativam o olhar, devo ter sorrido à sua passagem, mas depois comecei a ouvir uns comentários de gente que vinha atrás de mim...
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"Que horror! Eu nunca pintaria o cabelo de azul, só se estivesse maluca! "
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e deixei-me ultrapassar.
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Haverá sempre os... espontâneos? que entram na galeria e numa primeira reacção (emoção) perante a obra ditam Não gosto!
Haverá sempre os que "não se olham ao espelho”, mas têm sempre a dizer dos outros, uma palavra... escusada.
A Wanda Stuart nasceu à frente no tempo (eu não nasci à frente no tempo nem por sombras mas é capaz de não ter sido completamente à toa, que aquelas pessoas caminhavam todas atrás de mim, bom, adiante), nasceu à frente no tempo, na cena, no género e na moda
(ou não fosse do desagrado dos Portugueses um azul tão bonito)
nem os ouvidos deste povo estavam preparados (treinados, habituados) para receber um vozeirão daqueles.
(felizmente existe Filipe La Féria que é único no país a ir buscar talentos ao futuro)
A Wanda Stuart é de uma versatilidade corporal e vocal impressionantes, aqui ou em qualquer palco do mundo.
Só há duas maneiras de apreciar uma obra de arte, a espontânea: onde procuramos uma primeira reacção (emoção) "Gosto". "Não gosto" (e para a última a passerelle do Chiado serve perfeitamente). E a sistemática: onde analisamos ao pormenor cada detalhe que constitui a obra
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(as pessoas espontâneas, que não se vêem ao espelho, não sabem mas, atrás daquilo que parece ser uma louca, está quase sempre um grande vozeirão. E quase sempre também uma pessoa muito mais bem vestida, nada ultrapassada, e com um penteado ainda assim, bem melhor).
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Hoje fui ver uma das ultimas actuações do espetaculo "Piaf" no Politeama, e de certo que entre os que de pé na plateia (como eu) bateram palmas à sua atuação, estiveram alguns daqueles que naquele dia a avaliaram na rua pelo excesso de pigmentação azul do cabelo, como que a redimirem-se.
(**) piaf = pequeno pardal
Piaf, Teatro Politeama