Eu não mordo desde 1977 quando a minha mãe foi chamada à escola porque eu tinha dado uma dentada num colega de carteira. Na testa. Dei-lhe uma dentada na testa. Por que a ter sido numa perna ou numa orelha a Senhora Professora D. Maria do Pilar nem se tinha dado ao trabalho de mandar chamar a minha mãe.
É que eu era da qualidade, quando muito, Caniche, o meu porte não chegaria para assustar um gato maricas e a um caniche que lhe dá para arreganhar o dente ninguém faz caso e se o caniche morder alguém, leva um pontapé e fica logo o assunto arrumado. Ora, para dar um pontapé a um rottweiler é preciso pensar duas vezes, uma pessoa habilita-se a ficar toda esfarrapada, ou até mesmo sem um bocado.
Diz a Lei que o proprietário de um animal potencialmente perigoso tem de ser maior de idade e deve entregar na junta de freguesia da sua área de residência um atestado de capacidade física e psíquica e registo de criminal limpo. Era bem feito se as leis se cumprissem. Estávamos safos e andávamos mais sossegados. Mas até podem colocar um chip em cada cão de fila brasileiro, dogue argentino, pit bull terrier, rottweiler, staffordshire terrier americano, staffordshire bull terrier e tosa inu que eu continuo a andar sobressaltada e o meu coração dispara, qualquer dia rebenta pelas costuras, quando vejo umas destas raças de cães a piscar-me o olho, pior, a piscar o olho ao meu pequeno filho.
-Ele não faz mal.
-E se eu amanhã passar à sua porta (isto sou eu a falar, suponhamos, com o autor da frase estúpida) com o meu crocodilo sem trela e sem açaime?
- Ah, isso já é diferente! (isto era a pessoa a tentar estabelecer uma espécie de diálogo)
- Ai é diferente? Não sei porquê. O meu crocodilo também não faz mal a ninguém e gosta de crianças. Toda a vida gostou de crianças, é um crocodilo muito meigo, já o tenho desde pequenino. Já almoçou, esteja descançado e é muito bem tratado, ah, e não o treinamos para lutar.
O que acontece é que os animais (tal como nós, tal como eu na primária, tão boa pequena, tão sossegada e de repente mordi um colega de carteira), que não somos treinados para lutar, que tomamos a nossa ração diária e não temos fome, que se não nos chatearem a molécula não mostramos o nosso lado irracional, a nossa agressividade, o picantropo que há em nós, a navalha, a caçadeira, mas isto é só até um dia. É só até um dia. Não me venham com conversas. Garantias. De boca. Não vos conheço de lado nenhum. As imagens que vejo, as notícias dos jornais que leio, os relatos de pessoas que sofreram ataques desses cães, ataques violentos, impressionantes, com consequências horríveis, que morreram ou ficaram marcadas para sempre, já para não falar no trauma, chegam para que não compreenda como continua a haver pessoas portadoras destes animais, mesmo que ao abrigo da Lei. Os vizinhos não são sempre os melhores vizinhos até esfaquearem a mulher e os filhos? O rapaz não era um bom rapaz, um filho exemplar até pegar numa caçadeira e começar a disparar no café em todas as direcções? O cão também não era um bom cão, meiguinho e tudo até ao dia em que comeu a cabeça de uma menina e foi abatido?
NÃO compreendo.
"A minha mãe levou a Eva ao colo até à viatura, a pouco mais de 20 metros da casa e colocou-a no chão para ajeitar a cadeirinha. A miúda começou a chorar e foi nessa altura que o cão se aproximou dela, cheirou-a e atacou-a subitamente", relatou o tio da Eva, sublinhando que "foi tudo horrível, um verdadeiro filme de terror, com a minha mãe a tentar desesperadamente afastar o Apolo da menina, deitando-se por cima dela para a proteger". André estava em casa e assim que ouviu os gritos correu imediatamente em direcção ao carro, tendo conseguido afastar o cão, o qual, "repentinamente, ficou dócil como sempre foi. Não sei o que terá acontecido", relatou, argumentando que "o comportamento do animal pode ter a ver com o facto de ele saber que é preso sempre que a minha sobrinha sai à rua". In Diário de Notícias 15 de Fevereiro de 2008

1. Rotweiller
2. Staffordshire terrier americano
3. Pit bull terrier
4. Dogue argentino
5. Tosa inu Japonês
6. Cão de fila brasileiro
7. Staffordshire bull terrier