oreinabarriga

este blogue está protegido pelos direitos de autor © todos os direitos reservados ao autor designado como carmina burana. a cópia não autorizada de conteúdos de propriedade intelectual e criativa protegidos pelos direitos de autor é ilícita e pode fazê-lo incorrer a si em processos civis e criminais ao abrigo da lei 16/2008 de 1 de abril.







este blogue tem Livro de Exclamações

4.4.08

Ilusões Óticas


Perco-me sempre nesta webpage. Eu adoro jogos de ilusão óptica. Tinha eu uns 7 ou 8 anos, a Sr.ª Professora M.ª do Pilar, uma mulher com grande visibilidade, atravessada, mas com grande visibilidade uma vez que me mandou para o psicólogo logo ali, por alturas da primária, acabou por ser a responsável de eu gostar tanto de jogos de ilusão óptica. O Psicólogo mandou-me sentar e eu sentei-me na beirinha da cadeira, quase a cair, e ouvi um:
- A menina sente-se como deve de ser. - Não disse: - A menina ponha-se à vontade. - Disse: - A menina sente-se como deve de ser. - E eu, arrastei-me para trás, os meus pés ficaram a flutuar e eu direitinha como um carapau.
- Sabe o que é isto?
- Um borrão de tinta?
- Observe o borrão de tinta. - Eu segurei na cartolina com as duas mãos, mais mãos tivesse seguraria o borrão com todas elas só para não ouvir o Sr. Dr. dizer : - A menina segure no borrão como deve de ser. E deu-me 30 segundos. Ao cabo dos 30 segundos arrancou-me o borrão das mãos (digo arrancou porque o segurava com a mesma força com que na altura segurava a mão da minha avozinha Maria José enquanto passeávamos pela linha do Comboio da Sorefame).
- Diga-me agora o que viu.
A minha professora da escola primária viu que eu não jogava com o baralho todo e mandou-me para o psicólogo, eu vi que aquilo era um borrão de tinta, mas para não contrariar a Prof. M.ª do Pilar, que era atravessada, disse ao Sr. Dr. que aquilo eram pássaros, bicos, asas, pezinhos de pássaros e havia uma borboleta, pequenina, escondida atrás de um pássaro.
- Uma borboleta? Atrás de um pássaro?
- Sim. Mostre-me outra vez o borrão e digo-lhe onde está.
Sei dizer que a minha mãe gastou no psicólogo um horror de dinheiro para nada, foi a consulta (meia hora a decifrar borrões de tintas de todas as cores, aqueles que se fazem quando se borra uma folha de papel com tinta de guache de várias cores e depois se dobra a folha de papel ao meio enquanto a tinha está fresca, sabem como são?), foi o electroencefalograma (besuntaram-me a cabeça com uma massa viscosa e depois foram colando ventosas com fios até eu parecer um daqueles crânios que o Dr. Egas Moniz usava para se candidatar ao Nobel) para nada, o médico escreveu no relatório que nada, nadinha de anormal comigo se passava, ainda para mais era uma criança imaginativa, creia de criatividade e meiga, que é uma coisa que uma mãe gostava de ouvir dos vizinhos, dos familiares, mas do psicólogo, com franqueza, nem um distúrbiozinho, alguma saliência que fizesse jus ao preço da consulta ao menos, e o electroencefalograma? A trabalheira que a minha mãe teve para me lavar a cabeleira e disso, guardamos apenas uma folha em tudo semelhante a um relatório sísmico de intensidade, digamos, inofensiva que está para lá dentro de uma gaveta.
Durante os anos que se seguiram os borrões fascinavam-me. Fiz muitos, com guaches e aguarelas de todas as cores. Também adorava um jogo que o meu pai fazia comigo em que ele traçava um rabisco numa folha em branco, passava o lápis para a minha mão e eu daquele rabisco tinha que desenhar alguma coisa, um cavalo, uma cara, algo que não fosse abstracto.
Quando eu não era capaz (o meu pai às vezes fazia rabiscos que não tinham ponta por onde se lhe pegasse) eu lembrava-me daquele quadrado desenhado na história do príncipezinho, aquele quadrado era uma ovelha.
- E onde está a ovelha? Só vejo um quadrado.
- Não é um quadrado é uma caixa. E a ovelha está dentro da caixa.
E cheguei a 'desenhar' um alentejano a passar atrás de um muro sem mexer nos dois traços que o meu pai esboçou.




(o traço horizontal é o cimo do muro, o alentejano está atrás do muro e o traço por cima é uma enchada).

Partilho convosco esta minha maneira de ver o mundo desde pequena em ilusões ópticas constantes e a webpage onde entro e me parece que recuo no tempo, estou outra vez sentada para trás, na cadeira do consultório, com os pés a flutuar e ouço de vez em quando a mesma voz masculina: - Diga-me agora, aquilo que vê.


Sem comentários: