oreinabarriga

este blogue está protegido pelos direitos de autor © todos os direitos reservados ao autor designado como carmina burana. a cópia não autorizada de conteúdos de propriedade intelectual e criativa protegidos pelos direitos de autor é ilícita e pode fazê-lo incorrer a si em processos civis e criminais ao abrigo da lei 16/2008 de 1 de abril.







este blogue tem Livro de Exclamações

29.2.08

Imorredouro


Porque escrevo? Quando nem sequer acredito que alguém me vá ler. Porque escrevo? Talvez seja um mero egoísmo.
Quero que outros me interpretem bem, mesmo que por outras
palavras. Definitivamente o que eu quero é escrever. E acho lamentável haver dias antes e depois das noites e não poder levar a vida toda a escrever. Definitivamente o que eu quero é dizer e tornar única a sensação do meu monólogo. Não quero que se desfaçam de mim, vendendo-me outra vez, na Feira da Ladra, também não quero que me entalem entre os outros, alinhados na mesma prateleira, não sei se mereço. Uma coisa ou outra. Há quem leia livros como quem lê uma notícia, com a mesma ideia de que tudo é efémero. Outros lêem de passagem, enviesado, às avessas, às pressas. Outros fingem que lêem. Outros não. Fazem notas a lápis, dobram as folhas nos cantos, há até os que sublinham com caneta fluorescente uma ou outra frase, ou colam um post’ it na página onde certamente nunca mais voltarão. A minha avó guardava folhas de prata de bombons entre os livros, e nunca encontrei nada de destaque nas páginas marcadas. Só mais tarde soube que o fazia apenas para espalmar a prata dos chocolates. Só isso e mais nada. Há livros que se guardam na estante e na memória. Há livros que só existem na nossa memória. Não mais os voltaremos a ler para não estragar esse acontecido. Há livros que são doutra nossa época, traze-los à luz do dia que estamos a viver agora era como reavivar um nosso antepassado e dar-lhe um bilhete de metro para ele ir à Baixa ver como aquilo está por lá. Há filmes a serem melhores do que os livros, mas nisso eu não acredito. Mas isso tudo que importa? Há um momento para quem lê e para quem escreve, que os une pela mesma vontade de se manterem vivos, de se prolongarem para além do espaço que lhes coube. Viajar. Há um momento em que se procura dentro nós aquilo que se possa escrever e o momento em não escutando nada, a boca entreaberta, engole as nossas palavras. Quem nos lê engole as nossas palavras, tem que ser. Gostava que ficassem umas poucas guardadas para sempre, encostadas umas às outras como os livros na prateleira, alinhadas entre as vossas memórias.
Mas não acredito que me vão ler.
Se bem que escrevo porque tenho mesmo que escrever. Se não escrevo, passo mal. Posso adoecer. Escrever desembaraça-me nós que trago na garganta. Mesmo que ninguém me leia, mesmo que ninguém me engula, me beba, me absorva, eu escrevo na mesma e logo me sinto melhor da garganta. Preciso de liberdade. Não outra liberdade que esta de saber que existe um espaço infinito, todo em branco, num ecrã, ou numa folha do caderno, onde me posso transpor. Gosto de escrever ao entardecer e prolongar-me pela noite, sonhar antes de adormecer.
Perante a certeza de sermos todos mortais, perante a certeza de sermos os únicos a escrever, a falar, a equilibrar-se sobre as patas, temos que ser algo mais, queremos fortemente, ser algo mais para além de mortais. Houve quem o conseguisse. Na literatura, na música, na representação, noutras artes. Houve quem por obras valorosas, se foi da lei da morte libertando...