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14.1.08

A Dúvida

A Dúvida ou a certeza?
A honra de um homem. De um padre. Ou será da honra de uma criança, aquilo que se trata?
Na dúvida como proceder? Não fazer nada? Perante a dúvida deverá fazer-se silêncio?
Quem acode aos mais fracos? Ou será melhor perguntar: Como enfrentar os poderosos?
Na dúvida, como proceder? Eu, fui ver.
E gostei muito, muito da peça, "A Dúvida". Esteve em cena no Teatro Maria Matos, e eu, na dúvida: Vou ver? Não vou ver? Foi reposta, a peça, a tempo de eu, mesmo no último diazinho, ainda ter tido tempo de resolver a dúvida: Vou? Não vou? Ter ido ver.
Escrita em 2004 pelo norte-americano John Shanley (dramaturgo) a peça Dúvida recebeu um Pulitzer. O tema é a pedofilia. Eunice Munhoz fez o papel de Madre Superiora, Directora de um colégio, austera, conservadora, (detesta as novas esferográficas, o progresso, chá com 3 pedras de açúcar, que horror! Demonstrações de afecto, nem pensar! As crianças têm que sentir medo. Aulas entusiastas? De História, onde já se viu?), Flyn é um Padre progressista (Diogo Infante) afectuoso, que põe 3 pedras d' açúcar no chá, ensina os alunos a jogar basquete e a limpar as unhas e faz uso de esferográfica para escrever. A Madre Superiora, baseada num boato, inicia uma perseguição sem tréguas, sem olhar a meios, ao Padre, acusando-o de pedofilia, mesmo sem nunca ter conseguido a sua confissão, sequer a aprovação, o socorro da própria mãe do garoto, a vítima. Vítima de maus tratos por parte do pai? Vítima de alcoolismo? Vítima da cor de sua pele? Para a Madre, vítima com toda a certeza, de Pedofilia. Para a mãe, não, para a mãe o filho era vítima, sem sombra de dúvida, por ser a parte mais fraca. A mãe do menino temeu a condenação do filho e não a condenação do Padre, pois o filho era o elo mais fraco e a corda rebenta sempre pelo elo mais fraco, e "era só até Junho...".
O Padre acaba por se afastar do Colégio, para desespero do menino negro que via nele um amigo, um pai, um protector. Quem lançou o boato, nunca mais dormiu em paz e a Madre, a Madre superiora, a Directora do Colégio, acaba por ficar com a Dúvida. Talvez a mais pesada das penas.

Algumas passagens da peça:

"- É um rádio... (Diz a madre para a mãe do menino negro segurando um transístor pequeno, demasiado pequeno - leia-se - coisa liberal - para a época)
- Confisquei-o a um aluno e agora, agora, não consigo passar sem ele!"

1 dos Sermões do Padre Flyn durante a missa:

"... O padre mandou então a mulher que tinha originado o boato, para casa e em casa, pegar numa almofada e numa faca e subir ao telhado, em cima do telhado, esfaquear a almofada e voltar à Igreja depois de tal.
Na Igreja o Padre perguntou à mulher que tinha feito o boato:
- Pegas-te na almofada?
- Sim Padre.
- Pegas-te na faca?
- Sim Padre.
- E subis-te ao telhado?
- Sim Padre e fiz como ordenou.
- E o que é que aconteceu?
- Penas Padre! Penas! Muitas penas!
- Agora, volta para casa e recolhe todas as penas.
- Mas isso é impossível Padre, as penas voaram e espalharam-se por todo o lado!
- É isso o boato."

Eu, na pele da Madre Superiora, (porque é uma obra, uma peça, que nos habilita a pensar - Se fosse eu pá, se fosse eu ainda fazia pior e tal, na, eu, eu cá, sem provas não andava atrás de ninguém, e se ele for inocente? Já viste? - É. Aquilo leva um gajo a pensar e parecendo que não, pensar é bom porque desenferruja. É bom ir ao Teatro. Desenferruja, desemperra, mesmo nos dias de chuva. Desenferruja. É verdade.
Eu nunca perseguiria o Padre. (Isto agora sou mesmo eu)
Eu, na Dúvida, procurava o fundamento. A verdade e a constatação. A prova.
A mim, nunca me hão de ver, ao cimo de um telhado, com uma almofada na mão e uma faca na outra, e penas, penas por todo o lado.

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