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19.11.04

Dois corações a baterem em um corpo só

Quando te vi pela primeira vez, a preto e branco (como as fotos do Sebastião Salgado ou como as fotografias da avozinha Ana e do avozinho João, enfim, a preto e branco, como devem ser todas as imagens dignas de serem registadas na nossa base de dados sentimental), medias 14,5 milímetros. Ena! Que grande!
Grande acontecimento, claro!
Dois corações a baterem em um corpo só. Dois corações a baterem dentro das mesmas fronteiras. É inexplicável a sensação que quero transmitir-te.
Tens 7 semanas de vida.
O mundo não parou um segundo para assistir a ti a acontecer num ecrã de ultra-som da maternidade, a preto e branco, como já disse. O mundo não pára um instante, seja o que for que aconteça. Mas eu parei filho, para te conhecer. Aos 14 milímetros. Às 7 semanas, às 12 e 43 do dia 19 de Novembro de 2004, a preto e a branco, num ecrã de computador, na maternidade, eu, parada no tempo, só existias tu a acontecer naquele momento.
Digna de registo foi a tua afinidade com a sonda, como se fosse possível saberes que aquele objecto intrometido te traduzia. Imagina que médicos com a experiência e expediente em embriões como tu, como eram o Dr. Alexandre e a Dr.ª Isabel da MAC, observavam os teus movimentos e comentavam a tua fotogenia!
O mundo lá fora a dar nas notícias e eu só tinha olhos para ti.
Os conflitos no Iraque, e eu orgulhosa, a continuarem depois da guerra desencadeada pelo Presidente dos Estados Unidos (não sei se neste caso deveria ter escrito presidente com letra grande), a resultar todos os dias e todos os telejornais e todas as "Visão" em escombros, cadáveres e prisioneiros, Bush a discursar numa sala oval sempre de sorriso sarcástico posto, como se esta guerra fosse de play station e eu ralada com isso, virada para outro lado. O governo nacional a cair como no budgy jumping mas sem elástico e o julgamento do Processo Casa Pia que vai começar no tribunal da Boa Hora que é justamente o que eu desejo a todas as crianças, que tenham finalmente uma boa hora.
O que me parece, é que quando já ninguém se importar com elas, que foram vítimas de abuso sexual por umas criaturas cujas gravatas de grife e as fotos de família postas numa espécie de revistas que existem capazes de enganar redondamente no que diz respeito à credibilidade de uma pessoa, quando os mecanismos atrás mencionados voltarem a fazer efeito, quando voltarmos a acreditar neles e finalmente acusar as crianças de prostituição; abuso sexual de adultos; promiscuidade e libertinagem, então sim, sobretudo para os advogados dos arguidos, estarão reunidas as condições para que se faça justiça.
Gostava de dar-te um outro mundo onde pudesses nascer, infelizmente... estamos todos comprimidos neste e misturados portanto. Mas também acontecem coisas boas filho! Ora essa… O António Lobo Antunes continua a escrever crónicas na "visão" e o Sebastião Salgado continua a fotografar.
A verdade é que o mundo estava todo a dar nas notícias e ele há coisas no mundo capazes de me deter, mas naquele momento, eu só tinha olhos para ti…
E lembra-te filho, que no dia em que ocupavas apenas 14 milímetros do meu espaço físico e apesar do mundo não ter parado um instante para te ver, já conseguias manipular a maneira como todo ele se mexe... pelo menos para mim.

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