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29.2.08

Vem-me buscar


Quando digo Vem me buscar, não quero dizer que seja já, assim de repente. Também não quero dizer Vem me buscar e depois nunca mais falar nisso. Não pus este título só para vos obrigar a ler tudo até ao fim, à espera do acontecimento anunciado, que na maioria dos casos, não chega a acontecer. Leiam sossegados, que nesta história alguém me há-de vir buscar. Dar títulos estratégicos aos livros é muito feio. A mim já me aconteceu comprar um livro que se chamava Atlas Geográfico, daqueles livros que têm o cognome de calhamaço, pois não é que li o livro todo, li aquilo tudo até ao fim e ainda hoje estou para saber onde fica o Brismane? O que me vale, (e não me admira nada que o Memorial do Convento seja um livro do António Lobo Antunes e Os Cus de Judas seja de algum anónimo) o que me vai valendo é que um dia destes estou eu descansada a ler um romance da Agustina Bessa Luís e descubro finalmente onde fica o Brismane.
Isto leva-me a crer serem lapsos das editoras, lapsos iguais aqueles cometidos pelos empregados do hipermercado onde eu com infinita misericórdia me abasteço apesar de trocarem as etiquetas com o código do produto e já por uma data de vezes pago um exagero por uma lata de salsichas a vir discriminada como lata de leite em pó para recém nascidos. Ou então, são os autores que se esquecem de tomar os comprimidos para a memória e sabem lá que nome é que vão agora por àquilo, mas que maçada, tenho mesmo que dar-lhe um título? Lembro-me lá agora da história. Isto não pode ir assim? Era só o que me faltava.
O título mais coerente que encontrei nos últimos tempos foi “Sei Lá”. Logo pensei: Ora aqui está um título que faz sentido. Também não li o livro, não fosse com isso arruinar aquele momento. Não fosse a autora às páginas tantas escrever para lá, que afinal até sabia.
Noutro dia estava eu no hipermercado a ler um livro ao
calhas enquanto esperava pela minha amiga Luísa, que é jornalista, num jornal também ele perito em trocar o nome às reportagens, uma por exemplo anunciava a separação dolorosa do Riki e da Bibi, eu que gostava tanto de os ver juntos nas festas, faziam um par tão amoroso e dizia na manchete que agora estava cada um para seu lado. Quando abri o jornal ao meio afinal a história era outra, o Riki não se tinha nada divorciado da Bibi, era mas era irmão gémeo siamês dela e tinham sido separados à nascença. Isto já não se trata de ser um lapso, é mas é uma grande malandrice. O livro que me pus a ler à espera da Luísa era a história de um pastor da Beira alta que um belo dia é atropelado por uma trotinete. Felizmente acudiu-lhe uma ovelha que apesar de coxa porque tinha fugido doutro livro do mesmo autor e teve que atravessar o corredor dos enchidos até chegar à prateleira consegue salvar o pastor e levá-lo na trotinete para o hospital Amadora Sintra onde deu entrada apenas com um pequeno ferimento na testa. Entretanto chega a Luísa, que me pergunta: Que estás tu a ler?
- Eu?
Ora eu, para não ter que enfastiá-la contando-lhe a história toda, fui à lombada do livro para arrumar com o assunto, para saber que raio de nome tinha o autor dado aquela historieta. Nada mais nada menos que “O paradeiro do detective”. Mais curioso ainda é que na capa havia uma gravura que não ilustrava nem as ovelhinhas a pastar num campo verdejante, nem o pastor a passar pelas brasas enquanto a trotinete lhe passava por cima, nem sequer o detective, mas sim, uma cegonha, empoleirada no pára raios duma moradia, com uma pata só. Tive que improvisar:
- Trata-se da história de um detective, que foi electrocutado por uma cegonha e salvo por um por um pára-raios que ia a passar de trotinete.
Respondi-lhe com a mesma segurança com que me lembro dos vencedores dos globos de ouro. Agora, antes de sacar um livro da prateleira do hipermercado e por via das dúvidas, dou uma olhadela por trás do ombro e espreito atrás da estante dos CD’ s e dos DVD’ s não vá o autor estar por ali agachado, escondido, a rir-se, à espera de me enganar outra vez. Ó enganas. Se ele lá estiver, vou direitinho à secção dos livros traduzidos. Sempre são mais fiáveis e é pouco provável que o autor lá esteja. A maior parte daqueles títulos não têm tradução que os valha para a língua portuguesa. Não nos sentimos tão defraudados. Até compreendemos.
Agora estou para aqui à espera que se faça justiça ao título desta minha história. Estou pronta. Não ando cá para enganar ninguém. Estou pronta à que tempos. À mais de vinte minutos que estou à espera que me venhas buscar. Fiz as compras que tinha a fazer, já dei um toque para o telemóvel como combinado. Trouxe as salsichas, devidamente classificadas como outra coisa qualquer, e um livro, “As páginas brancas”, na esperança do autor, que é um bom autor, ter escrito alguma coisa nelas. Já fumei um cigarrinho… Bem sei que podia ir de táxi, não é pelo dinheiro, é porque tenho a certeza que combinámos aqui de me vires buscar. Ou teria sido do outro lado?
- Olhe, desculpe, é capaz de me informar se este hipermercado tem outra entrada? Não tem pois não? Obrigada.
Se bem que eu tinha a certeza que estava no lugar exacto. E de ter combinado às sete da tarde, precisamente. Dia dezoito de Fevereiro, às sete da... Dezoito? Hoje é dia dezoito?!
- Desculpe, é capaz de me dizer a quantos estamos hoje? Dezanove?! Tem a certeza? Tem?
É pá, então, nesse caso, desculpem lá mas tenho mesmo que ir de táxi, vamos ter que alterar o título para “Vou de táxi”. Pode ser? “Vou de táxi” também não fica mal pois não? Não se importam? Desculpem lá a maçada, ter lido isto tudo até ao fim, eu bem sei aquilo que custa, mas acreditem, não foi por mal, moro para lá da Rinchoa, a estação dos comboios ainda fica a uns dois quilómetros, estou para aqui cheia de sacos, carregadíssima e se lhe for telefonar para o telemóvel, ainda têm que esperar três quartos de hora que ele atravesse o IC 19 e ainda é capaz de chegar aqui e começar a discutir, és sempre a mesma coisa, nunca se pode combinar nada contigo, ainda ontem aí estive até às tantas e não apareces-te, estão a ver?
Desculpem lá. É que eu estava capaz de jurar que hoje era dia dezoito.