oreinabarriga

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31.7.11

Merda! Sou lúcido

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"Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa

Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,

Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;

E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha

(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:

Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,

E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,

Sobretudo quando não merece simpatia.

Sim, eu sou também vadio e pedinte,

E sou-o também por minha culpa.

Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:

E' estar ao lado da escala social,

E' não ser adaptável às normas da vida,

'As normas reais ou sentimentais da vida -

Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,

Não ser pobre a valer, operário explorado,

Não ser doente de uma doença incurável,

Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,

Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas

Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,

E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!

Tudo menos importar-se com a humanidade!

Tudo menos ceder ao humanitarismo!

De que serve uma sensação se ha uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,

Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:

E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,

E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.

Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.

E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente

Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,

E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!

Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!

Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!

Coitado dele, que com lagrimas (autenticas) nos olhos,

Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,

Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão

"Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!

Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!

Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,

Que são pedintes e pedem,

Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!

Mas até nem parvo sou!

Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.

Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.

Nada de estéticas com coração: sou lúcido.

Merda! Sou lúcido."

Fernando Pessoa in
"Álvaro de Campos cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa"

Dificuldade de governar de Bertolt Brecht

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1

Todos os dias os ministros dizem ao povo

Como é difícil governar. Sem os ministros

O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.

Nem um pedaço de carvão sairia das minas

Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda

Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra

Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol

Sem a autorização do Führer?

Não é nada provável e se o fosse

Ele nasceria por certo fora do lugar.

2

E também difícil, ao que nos é dito,

Dirigir uma fábrica. Sem o patrão

As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.

Se algures fizessem um arado

Ele nunca chegaria ao campo sem

As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,

De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que

Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?

Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3

Se governar fosse fácil

Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.

Se o operário soubesse usar a sua máquina

E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas

Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.

E só porque toda a gente é tão estúpida

Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4

Ou será que

Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira

São coisas que custam a aprender?

Voz: Mário Viegas in “O Operário Em Construção / País de Abril”

"Era uma vez um pintor que tinha um aquário"

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Herberto Helder in "Os Passos em Volta"
Voz: Mário Viegas

?

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"Adivinha" by Martins D'Alvarez
Voz: Joao Villaret

28.7.11

"Onde os outros viram o Fim do mundo, nós vimos o Novo mundo"


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"As decisões da Moody`s, nas últimas semanas, tocaram no orgulho pátrio de muitos portugueses. A avaliação da agência de rating, que nos colocou na classificação de lixo, levou a muitas reacções e até à invasão do site da agência norte-americana.

Nas últimas horas, começou a circular, na Internet um vídeo feito por portugueses, que procura enaltecer o que é nacional, desde a fundação até aos nossos dias." Rui Lourenço in Youtube


o vídeo é este:




e que vídeo fantástico, emociona (banda sonora e tudo: "amália", "carmina burana", "nessun dorma da opera turandot")

26.7.11

Um pouco de humanidade não nos mataria (dedicated to Amy and Michael)

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já ouvi os mais cruéis e jocosos comentários à vida e à morte de Amy Winehouse.
muito julgam as pessoas. somos um país de juízes eu diria.
"sexo, drogas e rock and roll" é a filosofia romântica dos artistas, aquela segundo a qual se deve viver com a máxima intensidade, mesmo que se pague no fim com a morte prematura.
largar o álcool e a droga é muito mais difícil quando se tem a fama de Amy Winehouse, ou Michael Hutchence, ou Kurt Cobain, ou Jimi Hendrix, ou Janis Joplin, ... todos se suicidaram (Michael Hutchence, vocalista dos INXS, foi encontrado morto numa suíte do hotel Ritz-Carlton, em Sydney, estrangulado com um cinto em volta do pescoço, em 1997; Kurt Cobain, dos Nirvana, em 1994 com um tiro de espingarda), ou morreram de overdose (Jimi Hendrix, Janis Joplin).
não era fã de Amy, mas admiro o talento, e a voz inconfundivel, "pedrada" so se foi no charco quando brotou no panorama musical à escala mundial.
de Michael Hutchence e dos INXs sempre fui fã. sao a minha banda de culto, de sempre. ainda hoje me arrepio quando ouço "by my side" ou "never tear us apart", ou deliro com "mystify", "need You tonight" ou "new sensation". o sentimento de perda e de tristeza voltou, a morte de Amy lembrou-me da morte de Michael.
em nenhum momento da minha vida o abuso de drogas cometido por Michael Hutchence, a sua filosofia de vida (aquela segundo a qual se deve viver com a máxima intensidade, mesmo que o preço seja a morte prematura...) foram para mim um mau exemplo.
(até David Gahan, vocalista dos Depeche mode, também não posso passar sem os Depeche mode na minha vida, só me tem dado "desgostos")
tenho o meu lema:
"nao sei por onde vou, sei que nao vou por ai"
e ja agora este:
"de boas intençoes e bons exemplos, esta o inferno cheio"
icones como a Amy, o Michael, sao exemplos de vida e podem ajudar-nos a explicar aos nossos filhos o que é o abismo, o lado mau, o lado negro, mas mais importante, nao julgar, (repito: nao julgar) e não ir por aí. amanha podemos ter melhor sorte, ou um grande azar.
não me agrada ver pessoas decadentes, muito menos artistas decadentes, muito menos decadentes e simultaneamente em cima de um palco, nunca vi um espetaculo da Amy e talvez seja das poucas pessoas que nao ouviu uma cançao dela, inteira. posso compreender o sentimento de desrespeito dos fas pelas atitudes da cantora, mas somos humanos caramba! era só não ir aos concertos.
ja ouvi os mais cruéis e jocosos cometarios à vida e à morte de Amy Winehouse e não se trata do gajo norueguês que matou quase uma centena de inocentes numa limpeza etnica (foram mais cruéis e jocosos os comentários espalhados pelas redes sociais e por todo o lado onde passei fisicamente, em relação à Amy, que em relação ao assassino). queria (e independentemente do apuramento das causas da morte) que se retirasse do exemplo Amy apenas a essência, o talento, a Voz, e o resto (a Amy era apenas alguém que volta e não volta, infortunadamente, fazia um "back to black"), o resto, era com ela.
esta publicação parece ser um elogio a tudo aquilo que não se deve fazer com a vida, mas não é, é apenas que um pouco de humanidade não nos mataria.



"Bono dedicated U2‘s song ‘Stuck in a Moment You Can’t Get Out Of’ to Amy Winehouse during the band’s Saturday concert in Minneapolis. The British soul singer was found dead earlier that day at her London apartment.


The song, which was originally penned in memory of late INXS singer Michael Hutchence, was performed as an acoustic number featuring only Bono and guitarist the Edge.
“We wrote this for Michael Hutchence … but tonight you will understand when we play it for Amy Winehouse,” said Bono before performing the song. Video of the performance can be seen below.

Winehouse died at the age of 27, joining a long list of other musicians such as Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin and Kurt Cobain who died at the same age. Several classic rockers reacted to her death on Twitter, with Ted Nugent and Dee Snider delivering harsh words about her lifestyle."

21.7.11

Kem tem K

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acontecia agora aqui uma reviravolta, recuava mais de vinte anos, umas horas antes das mudanças (mudanças? terão sido as mudanças? sim, foram as mudanças), e resgatava as revistas K todas que tinha (comprava-as religiosamente acabadinhas de sair, quando as comprava de um dia para o outro, ficava com uma dor de cabeça enorme porque as únicas ressacas que me lembro era quando me atrasava um dia ou dois a comprar a revista, que tal como o melhor dos tabacos não se vende em qualquer quiosque ao virar de de uma esquina qualquer, ou era da ressaca ou chegavam mesmo a perguntar-me: “revista quê?!”), depois, como se nada fosse, voltava para aqui outra vez, como quem nunca partiu um fuso horário para ir recuperar coisas (cacos e coisas que devíamos ter tido mais cuidado), o mundo desatava outra vez numa canseira, a dar nas notícias e na rua e eu, voltava a espreguiçar-me aqui, compunha o ângulo, compunha a luz, compunha os óculos e, às revistas K: de-vo-ra-va-as!
ou pensando bem, talvez não.
passaram mais de vinte anos (vinte anos? sim, vinte anos), tenho a base de dados carregada de coisas, base de dados sentimental e tudo, o grafismo da revista era genial! fez-se luz, deu-se uma revolução no jornalismo, na imprensa, a esta hora o miguel esteves cardoso, o vasco pulido valente, a maria filomena mónica, o rui zink, o pedro rolo duarte, a constança cunha e sá, o rui vieira nery, até a agustina bessa-luís ainda esgaravatam e puxam pela cabeça para se conseguirem superar a si próprios, e ultrapassar, não ficarem atrás da linha, da época da escrita mais inquietante da história da nossa… literatura?
tenho a base de dados carregada de coisas, ir agora buscar as K todas, sem garantia nenhuma de recuar vinte anos para ir buscar um caixote de revistas e não arranjar uma quantidade de problemas (dar de caras com o um ex noivo, por exemplo e não resistir à tentação de recuperar umas cenas também e o datsun 1000 do meu pai estacionado à porta do n.º 4 e eu já não voltava para 2011 de cápsula, voltava de datsun), chegava com as revistas e uma data de coisas para explicar (ex noivo e tudo) e nas impressões com mais de vinte anos não se deve mexer. o melhor é deixá-las intactas. os filmes com mais de vinte anos não se devem voltar a ver. perdem o efeito. com as letras é igual (carros e ex noivos idem, se deram há mais de vinte anos não voltam a pegar), recuperava as revistas mas não recuperava a inocência nem o deslumbramento. isso não é possível. as imagens, os textos, as capas que tenho guardadas na memória, era tudo varrido. muito embora aqueles textos sejam literários, tudo aquilo intemporal, a demasiada luz dos nossos dias estraga (cor e tudo às memórias), eram imagens sobre imagens, sobrepostas, substituídas (não é a mesma coisa, vinte anos são vinte anos), pensando bem, não toco no fuso nem no efeito que as minhas memórias ainda produzem.