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10.7.05

Diário do nascimento de uma mãe VI

Domingo, dia 10 de Julho
"A grande 'nóia'!

Parece que tudo gira à minha volta e todos dependem de mim.
O meu filho depende de mim, mas infelizmente não tenho todo o tempo do mundo para lhe dedicar em exclusivo, sobretudo para o contemplar e fico angustiada porque o tempo passa num instante e um dia vou perceber que ele cresceu depressa, um dia vou constatar que tenho todo o tempo do mundo para lhe dar, mas ele já não precisa de mim.
Já não suporto as perguntas inúteis do pai e faz-me confusão ele passar horas infinitas em busca de uma determinada chucha do Miguel, quando ele tem várias, de uma camisola do “Hard Rock Caffé” que ele só vestirá daqui a 4 anos e portanto, qual é a urgência em ter que a encontrar precisamente hoje? Agora? Qual é a razão para me impacientar querendo saber aonde pára uma caneta azul quando o dispensário das canetas está cheio de outras que servem perfeitamente?
O pior é que os objectos destas investigações profundas, levadas a cabo pelo pai e acompanhadas de penosos questionários, acabam por aparecer (quem é vivo, sempre aparece) só que termina uma investigação, logo abre processo de outra! Estou farta! Maldita paranóia!
Já tentei que fossemos ao psicólogo porque eu não consigo tratar do meu filho e do pai dele também. E de mim, muito menos, mas acredito que de mim, trata o tempo. Pedi ajuda aos pais dele, mas não os encontrei capazes de compreender aquilo a que se chama depressão pós parto. São capazes até de me ouvir falar e depois desabafar para os seus botões: Modernices!
Só me resta fechar-me à chave se for à casa de banho, se for ao escritório, ou se estiver a dar de mamar ao meu filho, no meu quarto. Peço encarecidamente ao Ricardo que me deixe em paz mas ele não obedece, transformou-se na minha sombra, na minha banda sonora de fundo. Peço para se calar, preciso urgentemente de silêncio e o nosso filho também, mas ele não se cala, dos nervos. Assim ao menos, trancada, a porta amortece o som que vai dando comigo em louca e vai irritando o Miguel também.
De madrugada, fumo um cigarro à janela se o meu filho me deixar e pergunto, a mim mesma, julgo, aonde vou buscar tanta coragem…

2ª Feira, dia 11 de Julho
“A queda do cordão”

Hoje de madrugada, mais precisamente às 00:22 caiu o cordão umbilical do meu filho. Ficou o umbigo destapado, limpinho que só visto! Para comemorar, logo vou enfiar o meu “piercing” (se o furinho não estiver já cerrado) e seremos os umbigos mais “sexy” do quarteirão!
Para o meu filho tudo é novidade. Tudo menos a mãe, claro.
Os soluços vêm como as horas. O pai diz que o Miguel quando soluça parece o boneco que anda pendurado no retro visor da carrinha do avô Vítor. Se apertarmos a barriga ao boneco, ele também chia assim.
Depois dos soluços vêm os “puns”. Até serem libertados provocam ao Miguel uma estranheza e uma ansiedade que ninguém consola.
Arrotar é preciso, mas não há maneira dele aprender a soltar esse ar. De modo que mal o deitamos, depois dos soluços e dos “puns” e da fralda mudada, e da roupinha lavada, acontece o bolçar e recomeça tudo outra vez! “ Menino bolçado, menino criado”. Pois, pois, a mim é que elas me mordem… Que trabalheira! Mas recordo-me do tempo que eu levei a aprender a engolir um comprimido, já em criança a aprender a fazer uma laçada (ainda hoje, com quase 33 anos, não sei fazer uma laçada como deve de ser), como é que posso pedir ao meu filho que em pouco mais de uma semana, aprenda a fazer todos estes exercícios? Não posso, pois claro que não posso…
Pela manhã achei que se colocasse o Miguel deitado junto do pai, ele adormecia e eu ia à minha vida, tratar da casa, das limpezas, das roupas, das arrumações, do almoço e tudo o mais, mas o Miguel só me concedeu 10 minutos, assim que apanhou o pai a dormir, vomitou para cima dele! Lá fui eu a correr, a SOS mamã, com uma fralda, tratar de limpar o estrago porque o pai, como se sabe, está com braço engessado e incapaz de resolver estas e outras emergências. Mas fez o almoço o que já ajuda substancialmente.
Para o Miguel acalmar, canto-lhe a canção do Jardim-Zoológico, cujos direitos de autor, pertencem ao avozinho João.
“ O crocodilo (tem que começar sempre pelo crocodilo) mordeu no rabo da girafa e a girafa foi morder no rabo do canguru e o canguru foi morder no rabo do passarinho e o passarinho foi morder no rabo do rinoceronte… “ E como o Miguel demora uma eternidade a acalmar, faltam-me animais, de modo que introduzo algumas personagens que não fazem parte da cantiga original… “... E o rinoceronte foi morder no rabo do aviãozinho e o aviãozinho foi morder no rabo da vizinha e a vizinha foi morder no rabo da panela da cozinha…etc., etc. ”
Ainda não consegui dar banho ao Miguel na banheira. Os pontos doem-me horrores se me sento, os meus rins queixam-se mais ainda. Depois são as visitas que empatam uma tarde inteira a uma pessoa. Se a minha sogra, a minha mãe e o pai do meu filho também, não dessem tantos palpites, eu ainda tinha a esperança que em breve, as coisas voltariam ao lugar. Nesses períodos desconfortáveis, em vez de me impor ou contar até 10, vou mas é cuidar do meu filho e digo para mim mesma que ninguém conhece melhor o meu filho do que eu. Conheço bem a razão de cada choro. Conheço bem cada sinal particular. Vão todos à fava!
Estou horas a dar-lhe de mamar o que representa sobretudo de noite, um autêntico sacrifício. Os palpites dão-se, uma para não estarmos calados, duas porque não custam nada.
Que faria o pai se não dormisse à quase 15 dias consecutivos? Que faria o pai se às 10 da noite, em vez de se ir deitar cheio de sono, muito cansado, já sem forças sequer para esperar pela mãe para lhe dar um carinho, tivesse ainda que mudar uma fralda, adormecer o Miguel nos braços para que não se sinta só? Ao pai (que ainda está de baixa) que se lamentava de se levantar todos os dias às 6 da manhã para ir para o trabalho e afirmava que se eu estivesse no lugar dele, entenderia o seu cansaço e não aguentava, eu respondo-lhe agora, a braços com o meu pequenino, de dia, de noite e de madrugada. Sem precisar dizer nada…

3ª Feira, dia 12 de Julho
“A ida ao pediatra”

A pediatra, a Dr.ª Marinela do Posto Médico, foi a única pessoa até agora capaz de avaliar o meu cansaço, foi a única pessoa que reconheceu em mim, um estado quase irremediavelmente depressivo. Só por isso estou-lhe grata. Só por ter reparado em mim, entender perfeitamente tudo aquilo por que passei, só por isso, estou-lhe imensamente grata e sinto-me muito melhor…
Quanto ao Miguel, vai fazer uma ecografia aos membros inferiores quando completar um mês para despistar problemas na anca. Deus queira que não seja nada. A Dr.ª examinou-o muito bem, testou-lhe os reflexos e receitou leitinho em pó para o Miguel tomar quando ficar com as avós.
Depois fui à escola mostrar o meu filho às colegas do trabalho. Apesar das férias escolares, encontramos quase toda a gente. E todos adoraram o Miguel e esperaram que acordasse para lhe pegarem ao colo.
O meu filho é a minha única vaidade!

4ª Feira, dia 13 de Julho
“O desassossego”

Hoje pela manhã o meu filho foi levar a vacina da BCG contra a Tuberculose. É uma vacina que dói, demora porque não é uma simples picada, mas o Miguel demonstrou muita coragem e só choramingou um bocadinho.
Receio a perda do meu leite. Verifico o “biquinho” de silicone em cada mamada e só vejo água. O meu filho chora sempre se o deito, sinto que não fica satisfeito. Que sentimento horrível passa por mim. Quase de desespero. O que é que eu faço? Quando decido telefonar para as enfermeiras do posto, já não são horas. Vejo-me com o meu filho nos braços, de rastos porque ele chucha no meu peito durante duas horas e só assim está sossegado, eu já não aguento passar as noites em claro, eu já não aguento ver o meu filho nesta insatisfação. Dava tudo para o sossegar…

5ª Feira, dia 14 de Julho

Afinal mesmo a água que o meu leite parece ser às vezes é um alimento precioso. Está tudo nos livros que tenho cá em casa e nos artigos das revistas, escritos por quem sabe tudo sobre bebés melhor até, em dadas circunstancias, que a própria mãe. Hoje já tive leite. O Miguel até bolçou uma grande quantidade dele, esbranquiçado e consistente.
À tarde vieram a tia Laurinda, o tio Abel e o primo Nuno. São da família do Ricardo.
Consegui ir à tabacaria que fechava às 19 horas. O Miguel acabou de mamar quase lá! Foi por um triz!

6ª Feira, dia 15 de Julho, 12º dia
“E é amar-te assim perdidamente… "

O meu filho é a única pessoazinha que gosta de me ouvir cantar. Canto sempre a mesma melopeia, não por não saber outras, mas gosto de cantar para o meu filho aquilo que sinto por ele.
Trovante : Ser Poeta
Música:
João Gil
Letra: Florbela Espanca

Ser poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens!
Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dize-lo cantando a toda a gente!

“Ser poeta é ser mais alto, e é ser maior do que os homens

Sábado, dia 16
"Afinal, há biberon's!"

Hoje descobri a maravilhosa invenção do biberon!
Adeus dores nos rins, adeus mamadas de duas horas, adeus noites em claro. O meu filho bebe um biberon de leite em 10 minutos e dorme satisfeito com carinha de anjinho. Outra maravilhosa invenção foi o Aero-Om, um remédiosinho cor-de-rosa que sabe a bebida de passarinho e que é delicioso para todos os bebés. Umas gotinhas na língua antes das refeições sossegam as cólicas e é assim que o Aero-Om se deve tomar, mas umas gotinhas na chucha quando o bebé não pára de chorar, fazem milagres! O Miguel até leva as mãos à chucha para a segurar contra a boca e fica a chuchar com uma careta muito engraçada até adormecer.
Comecei hoje a tomar a pílula da amamentação embora sexo seja a última das minhas vontades. Os pontos ainda não secaram e de resto o bebé consome todo o tempo e todas as nossas energias, mas quando lá chegar, vou usar preservativo também por via das dúvidas!

2ª Feira, dia 18

O pai vai ficar mais tempo de baixa porque voltou a colocar gesso no braço.
Ainda tem as férias para gozar também. Do mal, o menos, assim é da maneira que vê o seu filho crescer e acompanha todas as nossas tarefas com a vantagem de não poder ajudar em nenhuma delas!
Agora só dou de mamar durante o dia, à noite o meu filho bebe leitinho no biberon. Eu durmo mais tempo e o meu filho dorme melhor. Durante o dia custa menos dar de mamar, não tenho tanto sono, nem sinto tanto desconforto. Quem diz que amamentar um bebé ao peito é mais prático não me parece que tenha razão. É sim mais económico. Há que admitir que esterilizar biberons não é nenhum sacrifício e um biberon de leite prepara-se em três tempos com a ajuda de um aquecedor de biberon’s, ou de um termo para manter a água aquecida (que foi a minha opção), ou até mesmo do micro-ondas. O biberon poupa-nos o tempo, ansiedade, controlamos melhor o leite que bebe, é confortável, é prático. Embora continue a amamentar o meu bebé, reconheço que o colostro que produzimos na altura do nascimento do nosso filho é o único líquido insubstituível neste processo, a partir daí, devemos encontrar a maneira mais conveniente para nós. O que nos faz bem a nós é o que faz bem ao bebé também.


3ª Feira, dia 19
"A sós"

O Ricardo almoçou cedo e foi com os pais para a Sertã.
Ainda só passaram meia dúzia de horas e é incrível como o meu bebé está mais calmo. Ficamos a sós. Vou aproveitar este silêncio, esta paz para conhecer melhor o meu filho. Agora e durante estes dias, só ele existirá para mim.

4ª Feira, dia 20

O pai não está cá para ditar as horas do comer. Quem dita agora os horários cá em casa é o meu filho. Não o divido com mais ninguém e ele tem agradecido com largos sorrisos e longas sestas. Não há interrogatórios compridos e inúteis. O silêncio predomina. A Mariana, a Sara e a mãe vieram visitar o Miguel e trouxeram um presente de boas vindas.
A Mariana, que é a mais pequenina, diz que o Miguel é mais pesado que o "Nenuco".
Descobri que o meu filho gosta de adormecer só com a fralda. Mais tarde vou cobri-lo com a mantinha de algodão. Descobri também que a cadeira do escritório faz de carrossel!

5ª Feira, dia 21
"300 gramas a mais"

Comecei o dia com uma grande alegria. O meu filho engordou 300 gramas! Com 19 dias de vida pesa 3.220Kg. Ao contrário da maior parte dos bebés, o Miguel não perdeu peso desde que nasceu. Muito pelo contrário. Isto não faz de mim uma boa mãe por si só e faria com que as mães de bebés que perdem peso, tivessem obrigatoriamente culpa disso, mas fiquei entusiasmada, feliz. Sou mãe há muito pouco tempo e como todas as mães sinto-me frustrada e triste quando ele chora e não sei a razão e fico animada e feliz quando ele está bem. São estas pequenas alegrias que me dão alento. Que me encorajam. Afinal, estou a conseguir!
À tarde fui fazer compras para o Feira Nova, aqui ao pé de casa. O Miguel ficou com a avozinha. Mesmo sabendo que estava bem entregue, que não havia pressa, não me contive e andei a correr com receio do tempo andar mais depressa do que eu.
Falta-me o meu filho nos braços. É como a carteira ou as chaves de casa, se ficam em casa, esquecidas, sentimos a falta de não sei o quê.
A hora do banho não é muito agradável. Pela beicinha que ele faz quando termina, noto que ficou magoado comigo por o ter submetido a tal coisa! Mas com o tempo há-de vir a gostar. Todos os bebés gostam, afinal, durante toda a gravidez é embebidos que eles se encontram!

6ª Feira, dia 22

O pai chega hoje da Sertã e acabaram as nossas “férias”.
O meu filho continua a mamar durante duas horas. Os primeiros dez minutos são convincentes, de resto, a minha mama serve de chucha para ele adormecer. E é impressionante como nada o acorda, a não ser retirar-lhe o peito, quando está nisto, nem a música, nem os ruídos, nem os meus movimentos, nem as cócegas, nada! Quando já não posso mais tê-lo no meu colo desata num berreiro que só termina quando lhe dou o biberon.
Não tardará muito para que o meu leite seque. Tenho que comprar uma bomba para poder extraí-lo como deve de ser. Muito embora me custe dar de mamar, não queria desistir completamente.

Sábado, dia 23

A minha amiga Beta, o Jorge e o Tomás vieram visitar-nos depois do jantar. Estivemos imenso tempo na cozinha a relembrar as complicações do primeiro mês do meu “sobrinho”. Para a Beta também foram tempos difíceis aqueles em que o Tomás chorava de dia e de noite e ia perdendo peso até que numa das idas ao Hospital, uma médica detectou que ele não fazia xixi, de maneira que não estava bem alimentado. Chorava de fome! Depois vieram a pneumonia, a varicela, enfim, nunca mais me queixo das minhas noites em claro! Bem sei que o meu filho não é propriamente “come e dorme” como era o bebé da Sandra, mas não é dos piores!

4ª Feira, dia 27
"Um farrapo"

Só para não me ter gabado no capítulo anterior e ter prometido não voltar a queixar-me das noites em claro, estes dias têm sido do pior!
Mudo a roupa toda da caminha dele enquanto ele espera, num choro inconsolável, dentro da alcofa. Entretanto vomita na alcofa e os lençóis, as fraldas e a roupa vão-se amontoando no alguidar. Esta semana, até a roupa da minha cama tive que mudar duas vezes!
Como eu gostaria de contar com o pai durante a noite para mudar uma fralda que fosse. Ou dar um biberon. Ou dar colinho quando eu não consigo abrir os olhos nem para pôr umas gotinhas de soro fisiológico e o Miguel está com soluços, ou tem cólicas ou simplesmente não tem sono nenhum. Enquanto o Ricardo toma “Sedoxil” para dormir eu precisava de um remédio para estar constantemente acordada!
O stress acumula-se, as limpezas, a roupa e os biberons no lavatório também. Bebo café para espevitar e fumo um cigarro nos intervalos deste martírio. Olho à volta e está tudo por fazer. Na campainha da nossa porta está sempre o dedo de uma visita, o telefone não para de tocar, toda a gente quer saber notícias do Miguel e ele está lindo! Crescido. Saudável no meio disto tudo. Tudo isto eram boas razões para eu andar feliz não fosse este maldito esgotamento!


Sábado, dia 30

Dia do casamento da Sandra e do Hélder.
O Miguel ficou na casa da avozinha Ana e do Avozinho João. É o primeiro dia inteiro que passamos longe um do outro. Tenho os braços vazios...

Ao fim da tarde o meu peito desatou a doer e a enrijecer. Fizemos mal não ter ido a casa para eu dar de mamar ao meu filho. Foi a primeira coisa que fiz assim que chegamos a casa dos meus pais. Acabei por ficar lá a dormir e o Miguel ficou tão cheio de leite que não pediu biberon nem pediu mais nada!

Domingo, Dia 31
“As borbulhas”

O meu filho acordou ontem com as bochechas salpicadas de borbulhas pequeninas e vermelhas. Tratei de lavá-las com soro mas elas resistiram e depressa se espalharam pelo queixo e pela testa!
O meu pequenino, pobrezinho, está todo molestado!

9.7.05

Uma semana de vida

O Paulo e a Margarida têm vindo todos os dias em curtas visitas para ver o Miguel e trazem sempre um presente. Eu e o pai, apesar da grande amizade que nos une a todos, chegamos a ficar constrangidos.
Dizer obrigado parece-me pouco.
Os presentes agradecem-se assim, com um simples obrigado, mas e a dedicação? Como é que se agradece a quem ao nosso filho quer tão bem? Como é que eu agradeço à D. Fernanda, mãe da Margarida, que me conhece desde o Verão passado e me trata como uma filha, como se me conhece-se desde sempre?
Às vezes paro para pensar o que fiz para merecer viver rodeada de amigos desta casta? E de pessoas que no meu trabalho, nos cafés e nas lojas que frequento, na farmácia, parecia que só me davam os bons dias e afinal, nutrem por mim carinho, telefonam e mandam mensagens, oferecem ajuda, presentes.
De vez em quando é preciso parar…
Afinal, basta sermos pessoas dignas.
Afinal a única maneira se sermos gratos e continuarmos a merecer a dedicação dos outros e ganhar presentes, é sermos dignos de tal.
A dignidade é que faz de nós merecedores do amor e da amizade quando nascemos, quando cumprimos o nosso aniversário, quando ficamos doentes, e até na hora da nossa morte as pessoas que sinceramente reunimos, representam a medida exacta da dignidade com que vivemos.
Tomara que eu consiga ensinar ao meu filho a ser grato. A perceber que por trás de cada oferta, existe um passado, um determinado valor além do material. Um presente feito pelas as mãos de quem o oferece, por exemplo, possui um valor acrescido, é uma peça única. O tempo dispendido à procura do presente também conta, significa que alguém não fez outra coisa durante algum tempo que pensar em nós.
Todos os presentes têm um passado.
Todos os presentes têm uma etiqueta de onde retiraram o preço.
Todos os presentes têm um significado, que tal como a etiqueta, não está lá impresso, é preciso decifrá-lo com uma certa sensibilidade. E agradecer sempre.
Tomara que o meu filho Miguel pare para pensar neste mundo onde todos correm. Uns por dinheiro, por ganância, outros pela fama, outros à toa…
Recebemos a visita da Tia Ana Maria, do Tio António e do meu primo João André.
O Meu primo João trouxe uma colecção de carrinhos para dar ao meu filho. Uma colecção de carrinhos sem valor material algum.
É cedo para ensinar ao meu filho a ser grato, até mesmo quando receber algo aparentemente sem valor nenhum, mas posso sempre contar-lhe uma história... isso posso...

“O Avozinho João não teve carrinhos na infância como tu vais ter dezenas deles. Só teve uma camioneta de lata que um dia se desmanchou e foi provavelmente, o primeiro dia triste do avozinho.
Já crescido, casado e tudo, iniciou uma colecção de centenas de carrinhos, antigos e não só, comprados na feira da Ladra, quase todos.
Um dia, já eu era uma mulherzinha, o avozinho João teve que vender todos os carrinhos a um coleccionador.
Vendeu-os a todos porque teve que vender a casa para nos ajudar a comprar esta onde eu, tu e o pai vivemos.
Vendeu-os a todos porque não tinha mais espaço onde os guardar. E foi provavelmente, um dia tão triste como aquele, em que em criança, encontrou desmanchada a camioneta de lata, o seu único brinquedo…

Entendes tudo o que te digo filho?”

Há noite vieram a Sandra e o Hélder.

8.7.05

Apenas Miguel...

À tarde fomos à conservatória do Registo da Amadora registar o Miguel.

Miguel Viana da Silva. Apenas.
Um nome curto que um dia vai ser um grande nome, se o nosso filho quiser ser um grande homem.
O Miguel, depois do teste do pezinho, não fez outra coisa que dormir. Pudera! “É melhor estar a olhar para dentro que acordar e ver aquela enfermeira outra vez de agulha apontada na direcção do meu pezinho!”
Á noite, recebemos a visita do Paulo, da Margarida, dos pais da Margarida, da nossa amiga Sandra, do Pedro e do André que está um rapazinho. É difícil prestar atenção a toda a gente, dar de mamar com a casa a uma temperatura escaldante, tentar que o Miguel não chore no colo de ninguém. Mas o pior é adormecê-lo assim que a porta se fecha à chave porque não vem mais ninguém.
Pior é impossível...


O dia do Registo e o Teste do Pézinho


Vou à rua pela primeira vez desde o nascimento do Miguel.
Sinto-me bem, só a barriguinha é que ainda está um pouco saliente, toda a gente repara. Toda a gente que tem barrigas salientes por defeito, ou seja, não acabaram propriamente de ter um filho, reparam na minha saliência. Não é um disparate? Não estou nada preocupada. Sei que “vou ao lugar” num instante e não fiquei com uma única estria!
Logo pela manhã fomos ao Posto Médico conhecer as instalações onde o meu filho vai ser assistido e conhecer as enfermeiras.
O teste do pezinho doeu ao meu filho e dou-me a mim vê-lo chorar tanto até ficar roxo. Os pezinhos são picados no calcanhar e a enfermeira espreme o sangue, que a um recém-nascido é muito difícil extrair, até encher de vermelho duas bolinhas que estão num cartão que depois vai a analisar. O resultado consulta-se pela Internet, 15 dias mais tarde.
Este teste serve para o despiste de doenças metabólicas. (http://www.diagnosticoprecoce.org/)
Aqui vão as fotos...

6.7.05

O aniversário do avôzinho João

O meu pai faz hoje 67 anos e o meu filho Miguel 4 dias...
O avozinho João faz anos anos hoje, na data prevista para o nascimento do meu filho. No dia em que tragicamente, todos acordamos com a notícia de mais um atentado terrorista da organização Árabe “Al Quaeda”, desta vez em Londres. Morreram dezenas de pessoas inocentes, como sempre acontece, ficaram feridas centenas. Não vou ouvir mais notícias. Estou demasiado frágil, tenho que fugir ao medo que tenho de perder quem mais amo. Desligo até o som ambiente enquanto lavo os dentes. Desligo-me do mundo.
Estou feliz por o Miguel ter nascido antes, é da maneira que já estou em casa, já passei pelo inferno e aos poucos estou a recuperar, da hemorragia, dos pontos, só me sinto exausta, cada vez mais…
Estou feliz também porque o meu filho nasceu num dia só dele! Não nasceu nos anos do avô, nem no dia do pai, nem no dia da árvore, nasceu no dia que escolheu para ser o seu dia!
De manhã escrevi uma carta para darmos de presente ao avozinho João. Depois pintei a mão do Miguel de azul, com tinta não tóxica, que pode até ser ingerida e sai facilmente com água. Gostava de ter mais braços para poder filmar o meu filho a pousar a mão na folha de papel, com uma ternura imensa, como se soubesse que aquele momento incómodo, era a sua prenda para o avozinho.
Aqui fica a foto da carta ao avôzinho:

E o texto diz assim:


Avôzinho João,


Parabéns! Hoje é o teu dia de anos. 67 anos!
Eu apenas faço hoje 4 dias de vida e esta é a minha mão.

Um dia, quando a minha mão crescer o suficiente, vou pegar na tua mão avôzinho e vamos conhecer o mundo!!!

Quero ouvir os teus CD’ s de música clássica,
Quero que me leves ao jardim ao pé da tua casa,
Quero ir ao museu, ao Jardim Zoológico, ao teatro e quero andar contigo no autocarro do Jumbo também!

Mas acima de tudo, quero que estejas sempre comigo e pegues na minha mão.
Quero que enxugues as minhas lágrimas e sejas o meu melhor amigo!

Eu só tenho 4 dias de vida, avôzinho, mas já entendi porque é que a minha mãe te ama tanto!

Um beijo, Miguel Viana

Quinta-Feira, dia 7 de Julho de 2005


Acho que o meu pai se vai emocionar…
Para ele, o neto é o seu mais valioso tesouro. Como ele tem dito nestes dias: Agora estou mais rico que o Champalimaud! E de certo, guardará a nossa mensagem no cofre secreto das emoções, tal como qualquer outra pessoa, guardaria numa caixa forte, um saco cheio de moedas de ouro!
Entretanto o pai chegou da rua com os bicos de silicone e uma almofada em feitio de bóia para eu me poder sentar. Senti que foi o dia da minha salvação! O dias de todos os alívios...
O Miguel adaptou-se bem aos biquinhos de silicone. Ainda bem, porque por força das mamadas constantes, o meu filho tratou de descascar os meus mamilos e tornou-se insuportável dar de mamar. Quem nos vale é o pai. Tem sido incansável mesmo com o braço ao peito. Tem sido o nosso melhor amigo e aliado. Receio que seja sol de pouca dura. Quando elogio muito o pai ele tende a ter uma recaída...
Cá em casa avariou tudo só para complicar a nossa sobrevivência e dar trabalho ao avô Vítor. Não temos Internet, o telefone funciona aos bochechos, avariou a máquina de lavar loiça… Antes que avarie mais alguma coisa, vamos almoçar todos para comemorar o aniversário do avozinho João. Isso é que hoje importa!

"Primeiro estranha-se depois entranha-se"

Passei a noite todinha em claro. A transição do colostro para o leite fez um reboliço no organismo do meu filho. Não fiz outra coisa que dar de mamar, mudar a fralda, tentar adormecer, conseguir, para depois já serem horas de mamar outra vez e de mudar a fralda e voltar a tentar que ele sossegasse. Durante o dia mais dezenas de telefonemas e mensagens no telemóvel como tem acontecido desde o nascimento do Miguel.
Estou “podre”. Sei que não durmo à uma semana, mas só durante a noite era capaz de dormir se pudesse, durante o dia a adrenalina é que manda. Fico extremamente irritada quando me pedem para dormir. Só eu sei o quanto queria que isso acontecesse, mas o meu cérebro não cumpre essa vontade.
O avô Vítor veio da terra para conhecer o neto e para substituir a ‘Ventax’ da casa de banho e para concertar a nossa máquina de lavar (tudo avariou esta semana cá em casa!) e só ao fim da tarde fui dar com ele, ao lado do avozinho João, a examinar o meu filho a dormir na alcofa.
“Primeiro estranha-se depois entranha-se” escreveu Fernando Pessoa sobre a Coca-Cola e pensei eu ao vê-lo finalmente, ao avô Vitor, perto do neto.

5.7.05

A subida do leite


De madrugada acordei com as mamas doridas e enormes! Acordei o Ricardo surpreendida, aquilo parecia o resultado de um implante de silicone, muito bem feito.
O meu filho bebeu leitinho produzido pela mamã pela primeira vez e pela primeira vez bolçou também.

“Menino bolçado, menino criado”.

Durante o dia, (o que também foi novidade) o meu filho escapou do assédio de todos e pode ficar ao colinho do avozinho João o tempo que quis!

4.7.05

A Alta

O dia da Alta foi também o primeiro dia de vida do Miguel.
Ainda fiz durante uns instantes alguma confusão mas agora está claro que o Miguel nasceu Sábado, dia 2 ao fim da tarde e já não conta pelo que só fez um dia completo ao fim da tarde de Domingo, dia 3, ou seja, hoje é o 1º dia de vida do Miguel, efectivemente! os meus neurónios estão devagar... muito devagar...
Logo pela manhã, a enfermeira preta dos sapatos grandes, mediu-me a tensão arterial e a temperatura (com um termómetro de encostar ao ouvido). A meio da manhã, veio uma médica examinar os meus pontos, calcar a minha barriga e dar-me alta! Graças a Deus!
Não me restou alternativa que calçar ao Miguel meias nas mãos, porque irritado, enfia os dedos dentro dos olhos e magoa-se! Já tinha utilizado esta medida na primeira noite, mas a enfermeira tratou de ralhar comigo porque estava muito calor e com o tempo, o bebé largava o hábito. O pior é que não largou e passei a noite com o braço que estava cheio de hematomas debruçado sobre o berço onde ele dormia a segurar-lhe as mãos. De manhã quando olhei para o meu pulso, tinha mais uma nódoa negra!
Ao meio-dia, foi a vez do meu filho ter alta. Passou outra vez nos exames com distinção e podemos os dois regressar a casa sãos e salvos! Os dois não, os quatro! Nós, o pai e a avó Dília na bagagem também, o que me leva a crer que não consigo fazer-me entender.
O melhor é desitir. Tudo o que eu queria era ir para a minha casinha. As únicas pessoas que me apetecem são o pai do meu filho e o meu bebezinho. Mas constato que a preocupação da minha sogra e do pai do meu filho, é quem faz as refeições se não estou capaz? Quem arruma a casa se eu não puder? Quem faz as limpezas? Quem me ajuda com conselhos a calar o meu bebé se ele chorar de noite?
Alguém se preocupou comigo de outra forma que não esta? Alguém considerou nem que por um segundo, satisfazer a minha necessidade de paz e o meu filho só para mim e o pai do meu filho também?
Não.
Eles é que estão em poder de todas as faculdades mentais. Eles é que sabem, como sempre, o que é melhor para mim.
Nem tempo tive de trocar a minha sogra pela minha mãe, como se nesta hora o Ricardo precisasse mais da mãe dele que eu da minha. Só ela entendeu tudo o que sofri, só ela me podia dar mimo... mas o que não tem remédio, remediado está.
Sei que tudo são boas intenções. Não pensem que isto é ingratidão.
Eu não tenho mais forças.
Não tenho mais forças que estas para desistir.

3.7.05

O 1º dia...

O 1º dia...

As visitas ou eu estou farta!

O primeiro a chegar na hora da visita foi o pai, logo seguido do avozinho João, a avozinha Ana e a avó Dília. O avô Vítor está na Sertã e virá por estes dias para conhecer o neto.
Ao fim da tarde vieram a Alice e o Vítor.
Apesar do Miguel não ter completado ainda 1 dia de vida, portou-se como um homemzinho no colinho da "tia"Alice! É por estas e por outras que apesar de pequenino como um cócózinho de formiga, todos o tratam como se já tivesse completado 3 meses!
Às avós, só lhes falta meterem na cabeça que o meu filho vai para casa pelo seu próprio pé, no dia que tivermos alta!
A avó Dília desmente tudo o que eu falo e a avozinha Ana sabe tudo sobre agasalhar bebés no Verão!
Se eu digo que o parto me doeu, a minha sogra, que a ela não lhe doeu nada, responde que todas passam pelo mesmo. A chamada verdade de La Palisse! Bem a propósito…
Se eu digo que o menino suja 8 ou 9 fraldas dá um grito e a tudo o que eu falo responde ai desculpa, mas não pode ser, ai desculpa, mas não é assim que se faz…
Se destapo o menino é a vez da minha mãe se exaltar e tapar o menino.
Se lhe dou colo (porque lhe dei colo durante 9 meses, porque o meu filho precisa do meu contacto, pelo menos até que este mundo que lhe demos não lhe pareça tão estranho e inóspito) depressa me criticam, mas mal me apanham de costas voltadas, esquecem tudo o que me disseram e são as primeiras a dar-lhe colinho.
E sobre amamentação? O que elas palpitam sobre dar de mamar! Duas criaturas que nunca deram de mamar na vida, que não calculam o que eu e as enfermeiras ultrapassamos para que o meu filho aprende-se a mamar, vêm com duas sentenças na mão para me aplicar.
Estou farta!
Já não basta o estrago que faz a descida brusca das hormonas, já não basta o cansaço que nos consome, as noites em claro, o estranho ser, tão pequenino e frágil a depender inteiramente de nós e não das avós, nem das visitas, ainda temos que superar mais esta dura prova de resistência! Não vou aguentar!
Logo, às 19 e 45, o Miguel completa 1 diazinho de vida fora da minha barriga… como é que eu explico às cotas que o Miguel é um recém-nascido? Re-cém nas-ci-do! Que não há regras, não há horários para dar de mamar nem para vir ao colinho da mãe? Que ele ainda não está preparado para assimilar tudo o que nós já sabemos à que séculos? Que os bebés alimentados ao peito da mãe sujam a fralda de todas as vezes que mamam? E que não precisam beber água porque o leite materno vem com tudo incluído?
Como é que a gente explica às cotas que queremos ficar só nós e o pai?
Deixem-nos em paz! Por favor!

Diário do nascimento de uma mãe V

“Finalmente o dia seguinte!”

Fiz a cama, lavei-me sem ajuda, o meu problema era não conseguir dar de mamar! Ainda por cima os pontos e a hemorróida só dificultavam a tarefa, todas as posições eram uma tortura!
Todas as enfermeiras que passavam me ajudavam a dar de mamar ao meu filho. Apertavam o meu seio, faziam sair o precioso líquido amarelado. O lema era nunca desistir, tratava-se do “seguro de vida do meu filho”. O pior era que o meu bebé rejeitava o peito de todas as vezes e eu ficava saturada, os rins a doer-me…
Mas apesar de exausta, nunca desisti.

“Que comprido!”

Levei o meu filho para a sala dos banhos, deitado no berço, só com a fralda posta.
Um enfermeiro da Venezuela mediu-lhe a cabecinha (o perímetro cefálico) com uma fita métrica de costura. Media 32 cm’s. Os 49 cm’s de comprimento é que me apanharam de surpresa, até pedi ao enfermeiro para repetir uma vez que esperava os prometidos 41 cm´s das ecografias.
O corpo do bebé é medido com uma régua de pau em forma de Tê. Enquanto o enfermeiro ou o médico esticam as pernas do recém nascido, nós, as mães, temos que ajudar, segurando firmemente a cabeça do bebé. Ora nas ecografias, o feto encontra-se enrolado como um bichinho de contas o que torna apenas possível, uma previsão do seu tamanho.

“O teste de Apgar”

Depois seguiu-se o teste de Apgar. O nome vem do apelido da médica que inventou este conjunto de testes que permitem avaliar numa escala de 0 a 10 o estado do bebé quanto à respiração, ritmo cardíaco, cor, movimento e todos os reflexos com que nascem. Uma pontuação entre 7 e 10 significa que o bebé passou no teste com um “satisfaz”. Se a pontuação for inferior, o bebé é colocado numa incubadora, onde recebe oxigénio e é aspirado. Regra geral, alguns minutos são suficientes.
O meu filho obteve a nota máxima! 9 no primeiro minuto e 10 aos 5 minutos. Não há nada que deixe uma mãe tão feliz que a saúde do seu filho. Que importa as semelhanças com o pai ou com a mãe ou com nenhum dos dois, que importa o tamanho, o peso! Nada importa verdadeiramente. O meu coração só sossega quando alguém formado na matéria me diz que o meu filho está bem.
O meu ser tão pequenino, o meu passarinho, o meu filho Miguel, recém chegado ao mundo e já tão inteligente! Conseguiu aquela manhã, arrancar do enfermeiro da Venezuela a nota máxima e de mim, o meu primeiro sorriso de orelha a orelha!
Boa filho!

“A 1ª banhoca!”

Seguiu-se o banho. A 36 graus. O meu filho pendurado nas mãos de uma enfermeira, às voltas debaixo de uma torneira.
Fui aconselhada a fazer a higiene do meu bebé em casa com uma esponja molhada em água morna e sabão pelo menos até secar e cair o cordão umbilical. Este 1º banho, não é portanto uma necessidade, até porque a gordura da pele do recém-nascido é um escudo contra as infecções e a desidratação, serve apenas de demonstração.
Não fosse o piso da obstetrícia um bocado de um Hospital, não fosse uma mãe sentir-se um farrapo, exausta à beira de um colapso, sem poder sentar-se e usufruir das refeições, sem conseguir dormir, podia bem ser considerada uma estadia num Hotel. Foi impossível armazenar na minha memória debilitada, em frangalhos, o nome dos enfermeiros(as) e auxiliares, eram mais que as mães, eram um batalhão, havia de todas a qualidades e nacionalidades, havia nomes fáceis como Ana, havia nomes difíceis, não consegui decorar nem uns nem outros mas agradeço todos os dias a dedicação, sobretudo a enfermeira grande e preta dos grandes sapatos que finalmente conseguiu por o meu filho a mamar no meu peito e me sossegou a alma ao fazer o teste da glicemia para verificar se o meu bebé tinha fome. “Se tivesse, chorava ininterruptamente”. Este último é talvez o maior de todos os ensinamentos.





Diário do nascimento de uma mãe IV

“A noite mais longa de toda a minha vida”

O meu corpo todo ainda tremia e uma vontade incontrolável de chorar tomou conta de mim toda a noite. Quando não chorava ficava com um nó na garganta. Só sentia que não merecia ter passado por tudo aquilo.

“O banho – O 1º levante”

A enfermeira levou o meu filho para levar a vacina da hepatite. Devia ter-lhe sido administrada também a vacina da BCG (anti-tuberculose) mas estava esgotada. Outra enfermeira veio buscar-me para o banho. O banho fez-me bem. Eu que gosto tanto de tomar banho! Fiquei eternamente grata por aquele bocadinho.
As fotos, as mensagens para a lista, a minha higiene mais profunda, sempre vigiada pelas enfermeiras, foram o meu passatempo. Já de madrugada deitei-me na cama que me coube (altíssima) ao lado uma janela que dava para outras janelas. O sol tardava…

O Primeiro Bilhete de Identidade do Miguel



“As pulseirinhas que me identificavam, tratei de as mandar fora assim que me apanhei sozinho no meu berço! Só a minha mãe deu por isso e como não conseguiu enfiar-me aquilo outra vez no pulso nem no pezinho, guardou-as na sacola para mostrar ao segurança e mais tarde as guardar lá em casa, para um dia recordar-mos que nasci cheio de actividade!
Sou um bebé comprido, de dedos longos, perninhas de alicate e pezinho grande. Tenho a pele muito branquinha e os meus olhos são azuis (iguais aos da minha bisavó materna, que Deus tem). Nasci com pouco cabelo e queixinho de Rabeca. É por eu ter este queixinho, que a minha mãe já conhecia da ecografia a 3 dimensões que me tiraram quando eu tinha 22 semanas de gestação, que não corro o risco de me perder dela no meio de tantos bebés! Mesmo assim, e por via das dúvidas, preveni-me com mais sinais inconfundíveis: arranjei umas grandes olheiras, arranhei-me da pálpebra esquerda e coloquei uma pintinha no cantinho do olho direito… mais do que suficiente. Pelo menos já passei a fase da confusão toda de corredores e testes e enfermeiras de todas as qualidades e não me trocaram! Safa… valeu a pena…Sou um bebezinho muito bonito, mas mais importante, sou perfeitinho e todas as enfermeiras e auxiliares que pegam em mim dizem à minha mãe: Parabéns mamã, o seu bebé está sempre tão limpinho!”

Diário do nascimento de uma mãe III


No Berço da Maternidade
A primeira noite do Miguel "fora de casa"

"Obstetrícia A, enfermaria 10, cama 6."

Já passava da meia-noite. Tudo sossegado naquele piso. A minha cama ao lado da janela sem paisagem nenhuma. A falta de um cigarro para descontrair.
O meu filho ao meu lado, posto num berço, a decifrar-me. Acariciei-o vezes sem conta. Cortei-lhe as unhas, tirei-lhe as crostas da cabeça (só duazinhas, pequenas) com gaze embebida em soro, mudei a 1ª fralda, beijei-o nos pezinhos, nas mãos, na cabeça, guardei fundo aquele cheirinho a não sei o quê, e chorei durante tudo isto. Passei toda a noite a chorar. Por ter sofrido tanto, porque o meu filho era perfeitinho, tudo nele era perfeitinho e essa dádiva é um sentimento maior que não cabe em lugar nenhum. Chorei de alívio por ele estar ali, de alívio por já ter passado por tudo aquilo.

2.7.05

Diário do nascimento de uma mãe II



“As malditas contracções”

As contracções do útero vieram durante a noite e não me deixaram pregar olho. Eram fortes, com intervalos de 5 minutos. Mas suportáveis. Durante o dia, já não consegui almoçar sentada, ainda tentei ver um filme com o pai, mas já não tinha posição para estar, só me aguentava de gatas! Arranjei forças para tomar banho, mas às 5 da tarde senti que estava na hora, as águas não rebentavam, mas as contracções estavam a tornar-se infernais. O pai, com o seu braço direito engessado mesmo assim me conduziu ao Hospital. Fui no branco de trás do carro, deitada, a contorcer-me, concentrada em respirar segundo os ensinamentos da professora Lola. (Respirei por aquele método durante tantas horas, que ainda hoje, em casa, sem me doer nada, dou por mim a respirar assim!)

“O internamento”

Chegada às urgências fui atendida por uma enfermeira enorme que me fez de propósito um questionário do tamanho dela, para ver se eu me aguentava. O que eu não aguentei foi o toque que ela me fez! Aplica-se a expressão: trepar pelas paredes! A sorte é que foi um toque relâmpago. Fiquei logo internada.
Como a professora Lola me tinha explicado, seguiu-se um suplício de tarefas. A enfermeira grande era tal e qual um sargento da tropa e eu tal e qual um soldadinho a cumprir ordens: agora vista a bata, agora ponha o penso, agora aperte o penso com as coxas, agora calce os chinelos, agora vá lá fora entregar as roupas ao seu marido e dizer-lhe que fica cá, enfim, se eu não soubesse que era para meu bem que nos mandam executar estas lidas sem qualquer ajuda, sem qualquer piedade, estando nós à beira do descontrole por conta das contracções, tinha ficado pior que estragada! Mas a missão do ‘sargento’ é justamente provocar a dilatação ao ‘soldadinho’. Depois de entregar os meus pertences ao Ricardo, veio uma médica que me mandou fazer um bebé-gel (antigo clister) e lavar-me num poliban. Aí é que eu fiquei de rastos mas já com 4 dedos de dilatação.
Na salinha própria para o efeito, a parteira furou-me o braço direito todo a fim de me enfiar a agulha do soro. À 7ª tentativa falhada lá se dignou então a pegar na garrafinha e no respectivo suporte e enfiar-me a agulha no outro braço. Para recordação, fiquei com o braço direito todo negro!

“Rebentar as águas”

Depois do soro posto, ligaram-me ao CTG. A monitorização é feita através de sensores presos com uma cinta que é colocada na barriga da mãe. O aparelho (tipo sismógrafo) liberta então um papelinho onde são registadas as contracções e a frequência cardíaca do bebé. É uma técnica indolor mas desconfortável porque temos que permanecer deitadas e quietas mesmo quando as contracções vêm com toda a força!
Depois do CTG rebentaram-me as águas com um instrumento fino e comprido (lanceta) que tem uma ponta perfurante num dos extremos. Por esta altura já não conseguia sequer falar. As contracções não davam tréguas. Lembro-me de registar o momento do rebentamento das águas como algo único. Libertei uma quantidade exagerada de água quente e muito leve, como a espuma, capaz de encher um alguidar. O rebentamento das águas é um processo que não se controla. A água depressa seca nas coxas e a partir daí as contracções passam a acontecer ininterruptamente e com uma enorme violência. Da única vez que consegui falar, pedi a analgesia epidural. Consegui pedir por favor, mas mesmo assim, a médica ‘foi ali e já venho’. Quando voltou, num sadismo tamanho, não trouxe a epidural e ainda quis fazer-me o toque. Lembrei-me outra vez da Professora Lola: “Se lhe quiserem fazer o toque quando estiver com contracções, não deixe porque é extremamente doloroso.” E eu não deixei, contorci-me toda e a médica não foi capaz. A Professora Lola foi em muitos momentos do meu parto a minha salvação.
Um dia tenho que lhe dizer isto com imensa gratidão.

“Monitorização interna”

Através de um eléctrodo, colocado na cabeça do bebé é captada a frequência cardíaca enquanto um cateter controla as contracções uterinas. Os fios que vinham da cabeça do meu filho e ligavam ao CTG estavam presos a meio caminho com uma cinta à minha coxa esquerda. Este método implica que a bolsa de águas já se tenha rompido, só assim é possível tocar directamente na cabeça do bebé.
De cada vez que me contorcia com dores e como sabia que a monitorização interna pode provocar lesões na cabeça do bebé, (mesmo que desapareçam em poucos dias) sentia que estava a magoar o meu filho! A fazer-lhe mal. Mas nada podia fazer. Estávamos sós…

“O período de expulsão”

Esta foi a parte traumática do meu parto. Foi aqui que eu me descontrolei, parei de respirar como a professora Lola me ensinou e comecei a ouvir o meu grito, cada vez mais alto e forte.
Tudo se passou até agora em menos de 3 horas. Pareceram-me 3 longos anos de purgatório!
O relógio marcava 19 e 30, entre as contracções senti uma enorme vontade de fazer força, uma força descomunal. Era o meu filho a abrir caminho para poder nascer. Coloquei a mão direita entre as pernas e senti o redondo da cabecinha dele, logo, instintivamente, o meu corpo recolheu a cabecinha, como se o quisesse expulsar e engolir ao mesmo tempo. Chamei pela Senhora enfermeira, pela Senhora Doutora, ninguém veio, o meu filho a rasgar-me, a empurrar, cheguei a sentir a cabeça dele rodar e sangue (provavelmente) a escorrer para o balde do lixo. O relógio oscilava entre a parede e um mundo à parte, eu a ter um filho sem qualquer amparo. Entrei mesmo em pânico. Para além do meu grito, nunca soube até então o que era o pânico.

“O nascimento do Miguel”

Fora de tempo apareceu a parteira, que também soltou um grito. Veio a médica num instante, mandaram chamar o Ricardo às pressas e às pressas também, foi como me levaram para uma sala de partos vazia. Apesar de estar aos prantos, agarrada ao ferro que suportava a garrafinha do soro, vi entrar o Ricardo e foi como se tivesse aparecido um anjo. Já não me senti tão só. Se alguma coisa corresse mal ele estaria ali para testemunhar ao menos.
Lembro-me de me ter queixado de não ter levado a epidural, não agentava mais aquela dor aguda, lembro-me de ter perguntado porque é que me estavam a fazer sofrer tanto?
A analgesia epidural faz parte do Plano Nacional de Luta contra dor!
Era um direito meu que não me foi concedido. E eu sei que pedi a analgesia na altura certa, quando as contracções tinham um intervalo que permitia que me fosse dada a injecção e fosse lá deixado o cateter para outros reforços, mas foi negligenciado o meu pedido. Esta é a verdade.

“ A ajuda do pai”

O Ricardo não se limitou a assistir ao parto como tantos outros pais. Eu não imaginei que o meu parto fosse assim, urgente, tão doloroso, ele também não. Na sala de espera, junto com os meus pais, de certo contava passar a noite toda em branco e depois poder participar no nascimento do filho sem assistir aos meus gritos de dor. A parteira e a restante equipa ainda estavam por se vestir e calçar as luvas e colocar a jeito os utensílios quando ele entrou na sala de partos. Foi o Ricardo quem me acomodou na maca. Foi ele que me tranquilizou com palavras e até me defendeu da rudeza da situação. A verdade é que entrou na sala já equipado e se portou como se fosse membro da equipa médica.
Se eu fui uma heroína, o Ricardo foi um pai herói!

“O Meu filho”

Foi tudo o que consegui dizer quando me colocaram o Miguel no peito.
Senti uma vaga ternura, o resto era um alívio extremo, extremo oposto da dor.
O meu filho estava tão limpinho, era tão pequenino e quente. O cheiro dele (sangue e cabelos) entranhou-se e permaneceu nas minhas mãos e no meu peito durante muito tempo, indissolúvel.


“A expulsão da placenta”

Uma nova contracção, forte mas indolor, faz o corpo expelir a placenta, com a ajuda da parteira que puxa pelo cordão umbilical. Saiu inteira. É semelhante a uma alforreca. (Se saísse fragmentada era necessário efectuar uma completa limpeza porque restos de placenta provocam graves infecções)

"Os pontos"

Levei anestesia local, dada com uma agulha que o Ricardo diz assemelhar-se a um anzol da pesca e fui então cozida. Como a parteira decidiu praticar os seus dotes de bordadeira, passou o efeito da anestesia e senti os últimos pontos, umas valentes picadas, mas quem passou pela dor que eu passei, muito embora não deseje sofrer mais, porque não merece, limita-se a soltar um breve e fraquinho “ai”.

"A Adrenalina do parto"

Tremores incontroláveis apoderaram-se do meu corpo todo como uma descarga, ou como se estivesse há horas mergulhada num buraco cheio de água gelada.

"A sala de recobro"

Avisaram-me que tinha que ficar pelo menos hora e meia de absoluto repouso. E levaram o meu filho para fazer testes. Perguntei quando o voltaria a ver. Fiquei amargamente sem resposta. Só o cheiro dele nas minhas mãos, no decote da bata verde ficou comigo.
Passado um bocado de tempo veio uma enfermeira mal disposta que vazou o meu filho para cima de mim como se fosse um saco de lixo a cair no contentor. O meu bebézinho chorava descontrolado, tremia o queixinho, os punhos estavam cerrados e foi assim até se aperceber que finalmente a estúpida enfermeira o tinha despachado para os braços da mãe.
Vi-a ir-se embora, rangendo entre dentes que o meu filho tinha feito um berreiro no berçário, que tinha mau feitio, que estava farta e a dar graças a Deus ter terminado ali o seu turno. Eu desatei a chorar. O meu filho tinha sido mal tratado, despachado para o meu colo como quem de raiva, pontapeia um cão e eu indefesa. É dos indefesos como o meu filho, um recém-nascido e como eu, ali, depositada naquele estado, que se valem pessoas daquela espécie.
O meu filho não sabia mamar como a maior parte das crianças que logo por instinto, procuram o mamilo da mãe. Eu em contrapartida não sabia dar de mamar. À tamanha tristeza que sentia, juntou-se a frustração.
Para piorar o episódio da minha estadia na sala de recobro, a enfermeira mal disposta não acabou o turno sem se despedir de nós. Como pretendia ir mais leve para casa onde com certeza não terá à sua disposição tanta gente indefesa como ali, decidiu criticar-me por não saber dar de mamar ao meu filho, depois, visivelmente mais aliviada, virou costas para a saída e tratou de avisar que tive o meu filho porque quis.
Felizmente, nunca mais durante a minha estadia no Hospital voltei a encontrar aquela ou outra criatura da mesma fornada. E tomara que da próxima vez que o meu filho indefeso, seja maltratado, eu esteja em condições de me transformar num raio.

"O corredor"

Finalmente vieram buscar-me a mim e ao meu filho. Fizeram-me a palpação da barriga, mediram-me a tensão arterial, viram os meus pontos e deram ordens para me transferirem para o piso da obstetrícia. Antes, tivemos a visita de uma enfermeira espanhola, que me deu miminhos por eu estar a chorar.
Na passagem pelo corredor vi mais uma vez o Ricardo e vi os meus pais. Pude beijá-los e sossegá-los. A minha mãe estava com umas olheiras maternais, como se tivesse passado a noite toda acordada a rezar a todos os Santos por mim. Foram só umas horas. Sofri muito mas a “minha hora” foi curta, “foi uma hora pequenina” como se costuma dizer. O meu pai agarrou-me na mão e depois no braço todo negro do soro. Os olhos dele pousaram no meu filho transpirados como a terra molhada, emocionados. Um dia escrevi que o meu pai ia olhar para o meu filho como olhou para mim pela primeira vez. Estava certa.
Despedi-me. Queria que o Ricardo ficasse connosco, mas não pode ficar. A maca entrou no elevador, eu com o meu filho aconchegado ao braço que estava bom, sem poder olhar para ele, só via lâmpadas e tetos. O elevador parou 1 ou 2 dois pisos acima, não sei. E parece que cheguei ao céu…

O Modelito...



Este é modelito do Hospital Fernando Fonseca para recém nascidos... foi a primeira roupinha que o meu filho vestiu.

Diário do nascimento de uma mãe I



O meu filho Miguel nasceu no dia 2 de Julho de 2005 (Sábado) às 19:45 H com 2.895 Kg e 48,5 cm’s. Nasceu de parto eutócico (ver Link) na Maternidade do Hospital Fernando Fonseca, na Amadora.
Há quem diga que a dor do parto se esquece…
A verdade é que quanto maior é a dor, maior é o alívio.
A verdade é que a dor maior ainda está para vir, quando os meus pais partirem. E essa permanecerá para sempre.
A dor maior é que nunca mais acaba…
A dor do parto dura o tempo que durar. Umas horas, um dia… sempre seguido do tão desejado nascimento de um filho, bem sei, mas mesmo assim, a dor do parto é uma dor insuportável (eu não conhecia o barulho do meu grito). Achei que ia morrer de dor.
… Porque é que todas as mulheres dizem que a dor do parto se esquece?
Porque é que todas as mulheres dizem que um filho nos braços apaga qualquer dor? Porque é que um filho não há-de ser esperança? Contentamento? Prazer e não dor? Esquecem-se que um filho também sofre para nascer? Em que século julgam que estamos? Já ouviram falar em “Plano Nacional de Luta Contra a Dor?”
É preciso ter coragem para ter um filho. É preciso ter coragem para admitir que ter um filho de parto natural, é horrível!
Se todas as mulheres teimarem em pregar ao mundo que a dor do parto se esquece, nada se fará para que não sofram mais mulheres a terem os seus filhos e não sofram mais bebés para vir ao mundo.
Se todas as mulheres continuarem a aceitar a dor, muitas a vangloriar-se de tal acto, quem esperam que lute por nós? Os homens?!
Eu creio que as mulheres são tolas. Complacentes. Umas heroínas durante o parto e como mães, mas cobardes na defesa dos seus direitos.
Os homens a terem os seus filhos, gritariam mais alto e nunca mais se calariam. E seriam bem mais valentes do que nós, só por isso…
Na sala de dilatação, quando percebi que o meu filho me abria para passar, cuidei por segundos que ele estava também a sofrer para nascer. As contracções eram ininterruptas, impiedosas, senti uma incontrolável vontade de fazer força, a cabeça do meu filho era como se fosse o mundo e eu apenas uma fresta! Esqueci o meu filho, esqueci as aulas da Professora Lola, entrei em desespero e ao longe, uma voz ralhava comigo: “não pense que é por estar a gritar que lá vamos… ainda tem muito que gritar”. Mas não tive. O meu grito não era um disparate. Quando deram por mim, já tinha feito toda a dilatação e tiveram que me levar às pressas pelos corredores para uma sala de partos vazia.
Foi horrível. Mas felizmente, o meu filho nasceu 5 minutos depois.
Já passaram 8 dias, já passaram as dores, não passou a lembrança.
Ainda choro quando me lembro das dores. Ainda choro quando olho para o meu filho de madrugada e recordo tanta angústia… Não sei se é mágoa, se é depressão. O resto é emoção por ter o meu filho, tão pequenino, trémulo e quente como um passarinho dentro dos meus braços fechados, de olhos bem espertos postos em mim a decorar-me. Dou de mamar com uma persistência infinita, um amor desmedido e repito para mim mesma, ainda incrédula, que ele é tão bonito, tão perfeitinho…
O meu filho encheu a nossa casa de novos cheiros, de cores que não havia, das sensações mais nobres. O meu filho é a causa e a recompensa do meu extremo cansaço.
Talvez esteja na altura de eu começar a escrever os nossos dias… sem chorar.

http://pwp.netcabo.pt/0310551301/franco/parton.pdf

1.7.05

O toque

Como estava previsto (se o Miguel não quisesse ter nascido antes) hoje fomos novamente ao Hospital, às consultas externas. O primeiro contacto é na sala da enfermeira onde as grávidas são pesadas, é medida a altura da barriga e verificada a tensão arterial. No meu caso, emagreci 1 ou 2 Kilos, a tensão estava baixa, a altura da barriga estava normal apesar de eu achar que não cresceu nada a minha barriga neste último mês a enfermeira disse que eu tinha ali um bonito balão! E ela é que sabe.
Mais uns minutos na sala de espera e fui chamada para fazer um CTG. O pai não pode assistir. Está mal. E depois também não o deixaram assistir à ecografia. Parece que incentivam o pai a não querer participar, como se ele estivesse ali a mais, como se não valesse a pena a sua presença, e vale, é importante, demasiado importante para ser ignorado quanto mais enviado para a sala de espera. Um bocadinho decepcionado foi, e esperou sem outro remédio por mim lá fora junto do avôzinho João e da Avózinha Ana.
O meu filho pesa 3 Kg, é um bebé pequeno, está entre o percentil 25 e 50. "Pequeno, mas bem disposto" disse a médica depois da eco e de interpretar o CTG. 39 semanas de gestação, já podia estar cá fora, mas está em posição, à espera do sinal da partida? Voltei para a sala de espera e pouco tempo depois fui a nova consulta. Desta vez o pai entrou. Aqui é que as coisas mudaram para mim e para o Miguel, pelo menos no habitáculo dele, algo mudou. A médica, muito cuidadosa como todos têm sido fez-me o chamado "toque". Enquanto é feito o toque, a médica carrega um pouco na barriga à altura do diafragma, como que a empurrar o corpo do bebé para a saída. Quando retirou a mão, a luva tinha sangue mas ela logo avisou que não tinha importância. Estava com 1 dedo de dilatação, o CTG acusou algumas contracções do útero (que para mim foram imperceptíveis e indolores) o colo estava bom, a dar sinais de amadurecimento ou apagamento, bom para uma grávida de primeira viagem. Contracções e moínhas senti eu logo após o toque. E senti que algo mudou...
Almocei e dormi a sesta com as moínhas, de vez em quando um endurecimento da barriga, uma dorzita a acompanhar, curta, perfeitamente suportável, mas que ainda não tinha sentido. O "toque" foi uma maneira de acelarar o trabalho de parto.
Parece-me que o Miguel... está quase...