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18.3.07

Pode chamar-se Rui Veloso, mas mais correcto é ser o fim.

”Foi nesse dia que percebi
Nada mais por nós havia a fazer
A minha paixão por ti era um lume

Que não tinha mais lenha por onde arder…”

Esse dia foi hoje. O que já só eram brasas, agora é um quarto escuro, foi num quarto escuro onde tudo começou e acabou, mas já sem ninguém.

Tenho o coração cheio, os meus pais ocupavam quase todo o espaço, chegou o meu filho e apertadinho, cabemos todos dentro dele, as memórias empurram-se para o lado, outras por força das circunstâncias vazei-as fora. As brasas apagaram-se, o coração sangra um nadinha porque rebentou de cheio, entretanto.

Fui ver uma casa que podia bem ser a casa dos meus sonhos. Podia ter sido uma canção e não ter sido uma casa. Podia ter sido a nossa viagem de férias e não ter sido uma casa, podia ter sido um quadro, uns sapatos… Mas enfim era uma casa. Uma casa que não tinha janelas, tinha portas e varandas. Uma casa grande daquelas que giram em torno do sol. Lá do último andar avistavam-se outras casas e outras varandas todas arrumadinhas e limpas e árvores, muitas árvores salpicadas num prado verde.
A casa tinha todas as comodidades. Mas eu muito embora aprecie todas as comodidades, não é por aí. Eu não sonho obviamente com estores eléctricos, quem me conhece bem sabe que gosto de abrir os braços com as janelas e empurrá-las para a luz do dia, e à noitinha, gosto de fechar os braços com as janelas.
Eu não sonho com uma garagem, o meu carro dorme sossegado lá fora ao luar como cão no quintal, era engraçado abrir o portão em dias de chuva para os amigos entrarem na minha garagem, sobretudo os que têm filhos, mas não, não sonhei com a garagem para quatro. Pus-me a sonhar que abria as portas e as varandas daquela casa, que ela começava o seu percurso de translação e as crianças brincavam alegremente, o que não quer dizer que estivessem todas aos gritos.
Sonhei com o chão de madeira que torna acolhedora todas as casas.
Sonhei que estava sossegada à varanda a fumar o meu cigarro e que as pessoas vazavam o lixo nos contentores apropriados. Sonhei que à noitinha dava uma volta pelas lojas e pelos cafés, de mão dada com o meu filho, ambos de cabeça levantada porque o chão está limpo, ambos sem medo porque as ruas estão iluminadas.
O Centro Comercial ser mesmo ali ao lado também não é factor relevante, pois fiquei sem saber a que posto médico recorreria, a que repartição de finanças pertenceria, a que hospital… isso sim é relevante. Mas é uma coisa simpática. O F.N., os restaurantes, as lojas para comprar presentes… Sou urbana. Estilo citadina com pinceladas de romântica aqui e ali…
Podia ter sido um quadro e não tinha ninguém a quem o mostrar. Podia ter sido uma viagem de férias e não tinha com quem ir. Em vez de uma casa podia ter sido uma canção…

“Mas tu não ficaste nem meia-hora
Não fizeste um esforço p'ra gostar e foste embora
Contigo aprendi uma grande lição
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção”

O meu coração continua cheio. Os meus pais cabem mais à vontade, talvez sobre mais espaço para eles e para aquilo que é verdadeiramente importante, o meu filho brinca pelo meu coração inteiro a correr alegremente. As brasas vou vazá-las como às memórias que já só ocupavam espaço.

Era uma casa. Não era Saturno. Era uma viagem de percurso curto não íamos passar a fronteira nem precisava-mos ir de avião, era logo ali… Mais à frente dos olhos, um bocadinho… Era um sonho como outro qualquer e no fim, nem por agrado, nem por eu ser mãe, nem por eu trabalhar tanto, nem pela lealdade (que às vezes custa mais a cumprir que a interromper, ninguém aqui é de ferro), nem pelo prazer de partilhar os sonhos bonitos. “Sim também quero ir lá ver, também estou curioso para saber afinal, como é a casa dos teus sonhos!” Em vez de “Se ganhares o euromilhões, pode ser que eu vá lá ver a tal da casa.”

(esta desilusão de resposta merecia um saquinho daqueles que há nos aviões para a gente vomitar quando se vê em aflição. É que estamos à espera de certas palavras e depois dizem-nos outras que, meu Deus, ninguém conhece ninguém essa é a pura da verdade.)

“Tu eras aquela que eu mais queria
P'ra me dar algum conforto e companhia
Era só contigo que eu sonhava andar
P'ra todo o lado e até quem sabe?
Talvez casar
Ai o que eu passei, só por te amar
A saliva que eu gastei para te mudar
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu
E nem com a força da música ele se moveu”

Quando as brasas se apagam faz um nadinha de frio. Mas vou para cama agora. Sossegada, aliviada, já não preciso de andar a ver carros sem me apetecer só para ser agradável, nem ter que gramar almoços de família e tardes a ver a TVI sem me apetecer mesmo nada, só para não fazer desfeita a quem tanto gosta de mim. Vou sonhar se Deus quizer, assim, aliviada, por já não ter que sentir nada. Não é amor, não é respeito, não é lealdade, já não é nada. Posso dizer até que enfim! Finalmente não
tenho que sentir mais nada!

Tu eras aquela que eu mais queria
para me dar algum conforto e companhia
era só contigo que eu sonhava andar
para todo o lado e até quem sabe ?
Talvez casar

Ai o que eu passei
só por te amar
a saliva que eu gastei
para te mudar
mas esse teu mundo era mais forte do que eu
e nem com a força da música
ele se moveu

Mesmo sabendo que não gostavas
empenhei o meu anel
de rubi
para te levar ao concerto
que havia no Rivoli

Era só a ti que eu mais queria
ao meu lado no concerto nesse dia
juntos no escuro
de mão dada a ouvir
aquela música maluca sempre a subir

Mas tu não ficaste
nem meia-hora
não fizeste um esforço para gostar
e foste embora
contigo aprendi uma grande lição
não se ama alguém que não ouve a mesma canção

Mesmo sabendo que não gostavas
empenhei o meu anel
de rubi
para te levar ao concerto
que havia no Rivoli

Foi nesse dia que percebi
nada mais por nós havia a fazer
a minha paixão por ti era um lume
que não tinha mais lenha por onde arder

Carlos Tê: letra
Rui Veloso: música

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