De madrugada veio um anjo buscá-la. Um anjo que teve pena de a ver assim tão doce, tão fraca, cansada do pesado fardo e levou-a enquanto dormia. Acho que ela nem deve ter dado pelo anjo, sentido aquela aragem morna (os anjos devem fazer uma leve aragem morna quando descem sobre e nós ou se levantam).
Foi Deus que a condenou à má sorte ou foi Deus que enviou um anjo? Para não ficar de mal com Deus, acredito que Ele não nos condena, tem antes piedade de nós e mandará buscar-nos assim que puder.
Eu tentei dezenas de vezes e não fui capaz de escrever um Post sobre Glioblastoma Grau IV, hoje apaguei definitivamente todos os rascunhos que tinha guardados, Post's com pesquisas sobre o tumor e alguns testemunhos que encontrei na net, escrevi sobre o Tb. Começava a escrever sobre a nossa mana mas quando dava por mim eram Tês atrás de Tês e não sei se tenho esse direito. Apaguei tudo. Escrevi-os aflita, espantei-os aliviada.
Coube-me o lugar ao lado de uma menina tão parecida com a nossa mana. Não sei se foi de propósito, nem sequer foi mau, mas quando olhava para ela de perfil (sentada na cadeira ao meu lado, na mesa do restaurante do Hotel) apanhava um susto breve, como aquela descarga que fazem as tomadas eléctricas dos telefones, aquilo não é um choque nem é nada, é um aviso, retraímos-nos pelo sim pelo não, é uma tomada de atenção, recolhemos logo a mão, defendemos-nos. Pelo sim pelo não quando olhava para ela era por pouco tempo e as minhas mãos, sobretudo a esquerda evitavam ir buscar a travessa ou a jarra do vinho sem precauções. Nem sequer foi mau, mas se eu me queria distrair e não ter nenhuma saudade de quem não conheci, tinha que tomar as devidas providências.
As bochechas e a boca eram iguais. Não sei se eram iguais. O nariz quase não se notava. Para mim eram iguais.
Emocionei-me quando olhei para a foto da nossa mana em cima de uma mesinha improvisada, em cima de um paninho limpo, ao lado uma cesta com rebuçados que sabiam a ervas daninhas. Vi uma mãe como eu naquela foto de epitáfio ainda com as cores apesar da má qualidade da impressão.
Uma vez escrevi que o medo que tenho de morrer é por não ter ainda reunido a quantidade de pessoas suficientes que me chorem. A nossa mana reuniu mais que a conta necessária.
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