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21.3.05

Folhas em branco

É assim que tudo começa. Folhas e mais folhas em branco.
Foi assim em pequena, quando o meu pai me ofereceu um livro todo em branco.
Eu, pequena, devia ter calculado que um livro em branco é um presente sem qualquer utilidade, mas não. Devia ter calculado que um livro todo em branco é algo que não se leva a passear, não se mostra às amigas da escola, nem às inimigas tão pouco. As primeiras não achariam graça nenhuma e as segundas porque achariam muita graça e diriam que era bem feito.
É uma coisa à qual não se brinca, pronto.
Podia ter questionado o meu pai. Pai: para que quero eu um livro em branco? Não havia com bonecos?
Podia ter desenhado os bonecos.
Podia ter preservado o livro assim, em branco. Era o melhor que tinha feito e ainda hoje o dito livro podia existir, em branco, neste caso, limpo. Mas não. O livro já não existe porque eu escrevi nele uma mão cheia de disparates. O meu pai ainda hoje sente uma certa dose de culpa porque se me tivesse oferecido um Karaoque, talvez eu me tivesse feito gente.
Culpa ou não, a verdade é que nunca mais me ofereceu um livro em branco.
Nem uma folha em branco, nem o canto de uma folheca não fosse eu escrever alguma coisa.
Já mais crescida e muito provavelmente para me vingar das pessoas que gostam de ler coisas que não fui eu que escrevi, como as crónicas do António Lobo Antunes e do Miguel Esteves Cardoso, poemas do José Régio e do Ary dos Santos e coisas assim, embrulhei dois escritos meus em formato de romance em pacotes dos correios e enviei para umas poucas de umas editoras. Graças a Deus que nenhuma delas me deu troco. Naturalmente nem passaram do primeiro capítulo antes de mandar dizer que sim senhor, já cá apanhamos bem pior, não está mal de todo, a menina continue, gostamos, mas, não temos tempo.
Fiquei um nadinha surpreendida. Confesso que tinha uma esperança pouca que uma qualquer editora viesse a publicar os meus escritos uma vez que presentemente quem escreve crónicas e romances e assim, não são os escritores, são os políticos, as mulheres dos políticos e as amantes dos políticos, são os jogadores de futebol, as mulheres e as amantes deles e os treinadores de futebol, que devem depois vir a explicar a táctica tintim por tintim porque esses livros que escrevem têm realmente muita saída.
Vamos agora a uma livraria e é uma dificuldade encontrar um romance que tenha sido escrito por um tal de escritor. Nem sei se a profissão ainda existe. Escritor… Escritora…. (?)
E é precisamente esta a razão de eu ter ficado um nadinha surpreendida.
Mas ainda bem que assim aconteceu, não fosse eu hoje andar para aí a escrever livros! Que vergonha!
Já experimentei cantar, dar umas piruetas, cantar e dar umas piruetas ao mesmo tempo, jogar à bola. Amante de jogador de futebol é que nunca! Nunca experimentei, digo. Nunca calhou, só por isso. Mas nestas actividades é como a escrever, não valho a ponta de um chavelho, de modo que escrevo só para chatear. Para chatear o meu pai, eu própria e algum incauto que inadvertidamente pegou nisto sem querer em vez de pegar na colher da sopa ou do comando da televisão.
Tem piada. Eu encontro piada.
O senhor (ou a senhora) a ler isto… a senhora sua avó, as crianças, o passageiro do seu lado a ler isto também e eu aqui a rir-me.
A achar piada de não saber escrever.

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